quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

The Killing of a Sacred Deer (2017) - Recensão



The Killing of a Sacred Deer é a nova longa metragem do realizador grego, Yorgos Lanthimos.
Yorgos Lanthimos é responsável por filmes como Dogtooth, que se tornou num filme de culto muito elogiado pela comunidade cinéfila, Alps, e também, The Lobster, a sua estreia na américa.

O estilo cinemático que este director pratica, é algo incomum e muito pessoal, algo que se acaba por estender por todas as suas metragens. O tema principal dos seus filmes funciona como se fosse uma alegoria, algo que nunca poderia ser real, mas que também não cai no espectro do sobrenatural. O espetador apenas aceita que o realizador constrói a sua narrativa através de elementos surreais, e não o questiona. No mundo cinemático de Yorgos Lanthimos, não nos perguntamos porque é que as coisas são desta ou de outra maneira, elas apenas são.

Em The Killing of a Sacred Deer, este mantra prevalece. A narrativa mímica uma tragédia grega pertencente à Ilíada de Homero — O rei grego Agamemnon acidentalmente mata um cervo pertencente a Ártemis, a deusa da caça e da fertilidade animal. Para ajustar contas, Ártemis exige a Agamemnon que este sacrifique uma das suas filhas. 

A moral desta tragédia segue-nos durante todo o filme, um cirurgião cardiologista, sucedido, rico, com acesso às tecnologias mais inovadoras do mundo da medicina, possuidor de uma família também ela sucedida, é-nos apresentado como um Deus. Governa ao ter o poder de salvar ou findar uma vida, governa através de uma gestão rígida e apertada da sua família, todos têm a sua posição, as suas tarefas. A sua é ser o Deus do seu mundo e governar. No entanto, falhou na sua posição, no passado, ao matar um senhor na mesa de operação, por negligência, por estar embriagado. Por remorso, mas sem nunca assumir a culpa, desenvolve uma amizade com o filho do senhor que indiretamente, matou, no entanto, ao seguir a narrativa da tragédia grega, o rapaz exige um sacrifício para substituir o seu pai. O cirurgião terá que matar um membro da sua família para acertar contas, ou irá pagar ao ver a sua família morrer em três estágios agonizantes: primeiro, as suas pernas apenas deixam de funcionar, depois, não conseguem comer nada e em último, que significa a morte, os seus olhos sangram.

O que me atrai neste filme, e no geral nos filmes de Yorgos Lanthimos, é a inserção destas distopias, destes conceitos que parece que não conseguem atravessar o papel, num mundo real, de pessoas reais. O destino fatal da tragédia grega a abater-se sobre uma família de classe alta, suburbana, que materializa o típico cliché americano, só isto, é suficiente para trazer um carácter muito comédico ao filme, caráter este que continua ao longo de toda a sua extensão. The Killing of a Sacred Deer apresenta-nos um tipo de comédia bruta e negra, que confude a sua audiência e nos deixa a pensar se deveriamos rir ou chorar, ou mesmo se é apropriado rir.

O realizador apresenta-nos esta família, em tom de sátira (principalmente relacionada com a sua classe social), que declama o seu diálogo de forma mecanizada e robótica, algo que já é uma presença recorrente no seu estilo cinematográfico.
Através de uma enunciação monocórdica, frases muito longas e descritivas, que parecem significar algo, mas apenas descrevem situações mundanas. São diálogos longos e vazios que parecem ter a intenção de preencher algo, mas que descrevem na perfeição esta família perfeita suburbana, uma colectânea de dinâmicas que funcionam sobre o princípio da automatização e da mecanização.

Os personagens nunca nos mostram emoções que nos permitem empatizar com eles — raiva, tristeza, arrependimento — optando por expressá-las de forma demasiado literal, retirando-lhes qualquer aspecto emocional, o que é tanto cómico como absolutamente perturbador. Encontramo-nos assim, presos com esta família, no que se pode chamar um verdadeiro pesadelo Kafkiano. Não há maneira de escapar ao fatum, e o filme demonstra isso mesmo ao longo do seu decorrer. Um ensaio nas linhas ténues da moralidade e da justiça, e em como esta pode ser ambígua, fazendo-nos assim questionar os nossos próprios valores. O cirurgião terá que pagar pelos seus pecados, em estilo an eye for an eye. E a certeza de que isto irá acontecer é um sufoco completo para o espectador, todo o filme é um imenso sufoco, desenrolando-se lentamente, para acabar num final que é premeditado desde o ínicio.

De facto, esta sensação de angústia e ansiedade durante todo o filme, evoco-me de imediato uma memória muito clara — Michael Haneke com o seu filme Funny Games — aproximando-se os dois filmes pelo seu carácter sadistico, roçando o niilismo, que deixa o espectador ansioso durante toda a duração do filme à espera que algo aconteça, de que o final que já estava premeditado finalmente se desenrole. E quando finalmente o faz, é uma supernova de catástrofes, do bizarro e do macabro, de horror psicológico que nos deixa deprimidos pela sua inevitabilidade.

Yorgos Lanthimos, reuniu neste filme, uma série de influências que exprimiu de forma óbvia, como um tributo.

Michael Haneke como já expliquei anteriormente, também David Lynch (ele próprio o mestre do surrealismo), ao criar um ambiente tão impossível e degenerado que pode assemelhar-se às realidades que Lynch constrói por exemplo em Twin Peaks ou Blue Velvet. Mas a influência mais óbvia, o verdadeiro tributo que esta longa metragem faz, é a Stanley Kubrick. Começando pela banda sonora que ilustra perfeitamente a ansiedade sentida pelo espectador, de forma orquestral, de facto, amplificando ainda mais essa ansiedade. Há um zumbido que nos persegue ao longo de todas as cenas, intensificado-se conforme a sua importância. Este burburinho é o que ajuda a construir a verdadeira sensação de antecipação, emoção esta que descreve todo o tom do filme.

Mas a verdadeira influência advém do trabalho de câmera efetuado neste filme. Nos seus registos anteriores, Lanthimos limitava-se a uma cinematografia básica sem grandes artifícios, enquadrando-se numa estética lo-fi. Mas este filme deu asas a um experimentalismo cinematográfico cunhado pelo próprio Kubrick. A câmara tem uma presença quase robótica, como se fosse um drone. Há uma certa sensação de vigilância, a câmara mantem uma certa distância da cena permitindo-nos observar os acontecimentos de longe, sentimo-nos assim como um voyeur, um outsider que observa a cena sem ser visto. Os movimentos são limpos, suaves, desaproximando-se lentamente da cena. Esta sensação de distância, de barreira, ajuda a criar o ambiente estéril que Lanthimos procurava transmitir. É representado assim um grande e imponente hospital estéril, uma casa suburbana estéril para uma família perfeita, também ela estéril. 


The Killing of a Sacred Deer (2017)                               The Shining (1997)

De facto, por vezes, parece que o realizador, está a desafiar esta família de pedra a sentir algo ao abater sobre ela esta tragédia. E até nisto falham — uma das minhas cenas preferidas do filme é, quando o pai, indeciso entre qual membro da família matar, já com os dois filhos a sofrer os sintomas das repercussões dos seus pecados, vai à escola falar com o diretor e pergunta qual dos dois filhos ele prefere. É uma cena hilariante e bizarra, que mostra tanto a falta de humanidade destes personagens como a queda de poder deste cirurgião e pai de família, que já não consegue sustentar a sua dinâmica e posição de líder, ao ter que fazer esta decisão.

É verdadeiramente interessante como a dinâmica de poder se inverte ao longo do filme, no ínicio temos um homem que é uma entidade superior no hospital onde trabalha, na casa onde vive com a sua família, e que ao cometer o erro avassalador de arriscar a vida de outra pessoa devido aos seus vícios ,nunca, nas duas horas de filme se responsabiliza pelas suas acções. Ao longo do filme, a fachada que esta família construiu desmorona-se, deixando-nos apenas um homem que cai do seu trono e que a única decisão que pode tomar é que membro da sua família irá matar, o poder recai todo agora num adolescente que não é apresentado como degenerado ou malicioso, mas como um rapaz que perdeu o pai e se encontra em mágoa, querendo apenas infligir a mesma dor que lhe foi infligida.

A primeira cena que vemos é uma cirurgia de um coração aberto, um close shot muito gráfico. Vemos o coração a palpitar, sentindo alguma fragilidade e humanidade ao ver aquela imagem, pois esta significa a responsabilidade e o poder de ter uma vida humana, literalmente, nas nossas mãos.
Esta cena estabelece o tom do resto da narrativa, uma procura pela fragilidade e por alguma humanização na desconstrução de um seio familiar fortemente vincado nos ideais do american dream. Acaba assim também com uma familia desmoronada, com menos um dos seus membros.

No fim, sente-se uma sensação de ambiguidade. A justiça é um conceito frágil, facilmente deturpável, e este filme mostra-nos isto. É difícil tomar partido de um dos lados, é dificil justificar que uma morte não tão acidental na mesa de operações dite o destino de uma família, mas é igualmente complicado julgar um adolescente que tenta, de uma maneira doentia e claramente traumática, encontrar uma figura parental na sua vida, e quando não o consegue, dá uso a um forte senso de moralidade de “olho por olho, dente por dente”. Yorgos Lanthimos diz-nos isto mesmo com este filme, que a justiça é um conceito complicado, através de uma das experiências cinematográficas mais bizarras e agonizantes, brutalmente hilariante e doentia, que se prenuncia uma tragédia deste o primeiro frame.

Este filme, é facilmente um dos melhores filmes de 2017, se não o melhor. O estilo de Yorgos Lanthimos é fresco, nos padrões americanos de Hollywood, é arthouse contemporâneo, uma simbiose equilibrada de estilo europeu com o apelo de Hollywood. De momento, creio não existir nenhum realizador que consiga criar da maneira surrealista e distópica que Lanthimos cria.

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