“Creio que o automóvel é hoje o equivalente bastante exacto das grandes catedrais góticas: quero dizer, uma criação que faz época, concebida com paixão por artistas desconhecidos, consumida na sua imagem, senão no seu uso, por um povo inteiro, que através dela se apropria de um objecto perfeitamente mágico.”
Dos temas que abordámos ao longo das nossas aulas, um dos mais me interessou foi a Mitologia abordada por Barthes, especialmente o excerto sobre o Citroën D.S. Quando o lemos pela primeira vez, pareceu-me apenas bizarro que um simples carro pudesse ser comparado a uma catedral, quanto mais um mito, e no entanto é o exemplo perfeito.
Segundo Barthes, uma mitologia é uma forma de fala, e por isso vai para além de objectos, ou até de conceito ou ideias. É uma mensagem que se transmite. O mito nunca foi o Citroën, mas sim o que este significava na altura em que Barthes escreveu sobre ele: símbolo de uma nova era, na sociedade da Europa após a Segunda Grande Guerra. O Citroën era apenas o mensageiro. Tal como as catedrais Góticas, que sugiram para reafirmar a fé no mundo católico a seguir às reformas protestantes do século XVI.
No entanto, subiu uma nova pergunta: porque é que eu não reconheci imediatamente o Deésse como um mito? Será que os mitos têm durabilidade, ficando obsoletos à medida que o tempo passa? Depois de pensar bem no assunto e fazer alguma pesquisa, eu acho que não. Os mensageiros é que ficam obsoletos e vão sendo substituídos, mas os mitos permanecem. É por isso podemos comparar o Citroën a uma catedral, porque, na sua essência, são o mesmo mito e transmitem a mesma mensagem: o espelho de uma sociedade que acabara se sofrer uma grande mudança.
Então, tendo isto em conta, será que existe algum objecto que no presente carregue o mesmo significado mitológico semelhante ao do Deésse ou uma catedral?
Provavelmente sim, vários até. O primeiro que consigo pensar são os computadores pessoais. Não importa marca, qualquer um serve. Está sempre connosco, são construídos por artistas anónimos com paixão e são o espelho perfeito da nossa sociedade. Talvez a televisão ou o rádio também servissem, mas como já todos nos apercebemos, estes encontram-se neste momento em declínio de popularidade. Estes têm a vantagem de ainda nos conseguir surpreender e seduzir com novas capacidades e aspectos (aponto o exemplo dos recentes avanços em relação à Inteligência Artificial), que os torna objectos de culto. Isto traz-me à memória a última vez que a Apple lançou um novo produto e as multidões se reuniram para a poder ver e experimentar, tal como o Deésse atraiu multidões para si foi lançado ou as catedrais Góticas outrora repletas de crentes.
Isto, é claro, quer dizer o computadores pessoais não serão mensageiros para sempre. Tal como a televisão, que sucedeu ao rádio, e que por sua vez foi sucedida pelo computador pessoal, um dia surgirá um novo mensageiro que perpetuará o mito, enquanto os outros caem no esquecimento.
Referências:
Barthes, Roland (1957/1988) «O Novo Citroën» In Mitologias. Lisboa: Ed. 70.
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