Foi me dado há pouco tempo a conhecer a Escola Ibérica da Paz, do século XVI, e a sua linha de pensamento que tratava de refletir sobre a ideia de justiça na ocupação da América e da escravatura que decorria nessa tempo.(1ª) Foram descobertas muito importantes para a ideia que tinha de como se decorreu a História. As contestações existiam, a consciência da injustiça existia, tinha uma voz considerável e os argumentos não eram de todo incompreensíveis para a altura. A escola defendia a autoridade do poder civil dos governantes indígenas, e refutava um por um cada argumento a defender o nosso direito a iniciar uma guerra justa, ao provar a injustiça dessas supostas guerras (in)justas.
Considerei isto uma prova da capacidade do homem em se emancipar da ideologia hegemónica do seu tempo, uma prova de que a consciência não lida com perfeita tranquilidade com as maiores injustiças [presentes no pensamento] do seu tempo.
E como todos os argumentos dos pensadores assentavam na crença duma absoluta dignidade do homem eu concluí que certos valores, certas verdades - pelo menos as mais enraizadas da dignidade do homem - guiavam a consciência do homem.
Foi esta conclusão que chocou com o seguinte: estes pensadores, homens que são o perfeito exemplo daquele que está inacreditavelmente à frente no seu tempo por tanto procurar a verdade, não tiraram a conclusão de que a escravatura é absolutamente errada, e que contraria a fundo essa dignidade humana que eles tanto defendem que deve ser protegida acima de tudo. (2ª)
De facto, o alcance da visão da consciência parece ser sempre limitado: só pode ver o próximo trecho do caminho à medida que avança e a prova disso tem sido a evolução daquilo que se mostra como afronta à dignidade humana (que acredito que continuará a evoluir).
Mas então as conclusões que a consciência tira são consequência da cultura, (pois da educação que formou a consciência). Aliás, a própria ideia de que existe um certo e um errado é em si uma construção ideológica.
Mas é possível continuar a defender a importância da autoridade absoluta da consciência universal () e a acreditar no avanço em direção à verdade e Justiça se houver uma crença na arbitrariedade da cultura de que fala Saussure, e nas ideologias que daí advêm. Acredito, talvez ingenuamente, que na experiência da condição humana descobrimos o valor e dignidade do ser humano, valor que nos pede que descubramos o seu conteúdo, mesmo que não haja um certo ou errado, uma resposta transversal à cultura.
(1ª)A escola das Universidades de Évora, Coimbra, Lisboa e Salamanca teve três gerações. É constituída por filósofos e teólogos e reflete sobre o direito natural. Foco me em especial no pensamento de António de São Domingo, da terceira geração.
(2ª) A Escola defendia que existia uma consciência universal (enquanto consciência individual mas que todos podemos partilhar ). Esta consciência tinha autoridade absoluta para nos obrigar a defender, não em nome de um Estado mas enquanto seres humanos em nome da Humanidade, as vítimas das agressões à dignidade.
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