No texto “O Novo
Citroen”, Roland Barthes analisa e formula uma crítica relativamente ao Citroen
D.S 19, um novo modelo caracterizado pela sua estética inovadora, assim como
funcionalidade.
Uma vez mais,
Barthes questiona as ideologias da sociedade da época, elevando a tão falada pequena-burguesa,
bem como as linhas condutoras que levavam a mesma a desenvolver um gosto
específico por determinados objetos.
O autor inicia o texto
por comparar o automóvel a uma grande catedral gótica. A máquina é construída
com o propósito de ser devorada visualmente pela sua imagem, não
necessariamente pela sua função. Nisto, a catedral assemelha-se, uma edificação
gloriosa que demarca uma época, é admirada pela sua beleza, sem se conhecer o
seu criador.
“Sabe-se que o
liso é um atributo da perfeição”, revela Barthes. Assim o é pois o contrário seria
a não demonstração da capacidade e técnica do Homem no tratamento das máquinas.
Ao construir superfícies lisas, o ser humano demonstra o domínio que tem sobre
os materiais, materiais estes que se moldam perante o Homem.
O público pouco se
interessa pelas junturas, assim, o novo Citroen esboça uma técnica de
justaposição ao invés de soldar os elementos entre si. Acredito que a tentativa
de eliminar as articulações óbvias se deva à natureza. Na natural criação de
vida, não existem junções criadas à posteriori, tudo nasce unificado. As asas
de uma borboleta não são construídas à parte para depois, com auxílio a ferramentas
de algum género, serem ligadas ao resto do corpo. As asas já nascem enquanto
parte de tudo o resto. A natureza é perfeita e, embora o Homem queira sempre
demonstrar o quão poderoso e capaz é, torna-se impossível fugir a algo tão imponente.
Somos naturalmente atraídos a formas perfeitas, a formas geradas pela Natureza.
Assim, a meu ver, o “esconder” das articulações não passa de uma tentativa de
maravilhar as pessoas pela ausência de junção artificial.
O novo Citroen recolhe
um certo aerodinamismo que remete à era da velocidade, agora expressa de forma
menos agressiva e maciça. Sente-se uma certa espiritualização no automóvel que
nos chega através das superfícies envidraçadas, o vidro serve-se da chapa como
base, exaltando-se. Sinto, ao ler o texto de Barthes, uma vontade por parte dos
criadores de tratar o movimento, transmiti-lo através das técnicas e materiais,
ao invés de tratar a propulsão há um desejo de fazer a máquina “flutuar” de
leveza. “Tudo acerca do automóvel é uma espécie de controle exercido sobre o
movimento.”
Assim, o Citroen
deixa de ser apenas sobre a capacidade de velocidade do automóvel, passa a
significar toda uma experiência de condução. O ato de conduzir é agora
prazeroso, um alimento ao ego, uma gula.
O factor mais
interessante deste texto de Roland Barthes é exatamente a sua intemporalidade. O
fascínio pelo automóvel enquanto símbolo de poder, bem como de estatuto social,
permanece bastante enraizado até à atualidade. Que tipo de carro se compra, as
suas características, velocidade, estética, se é o último modelo ou não.. são
tudo elementos que determinam a nossa posição na sociedade.
A constante
propaganda, o bombardeamento de anúncios que associam a posse de carro a poder
e sucesso na vida é, de facto, alarmante. Pessoas sem poder de compra,
endividam-se apenas para possuir o “Novo Citroen”. Obviamente a problemática
não termina aí, segue-se uma série de questões ecológicas, sociais e urbanísticas.
Este fascínio
pelo carro, discutido por Barthes, pode ser comparado não só ao mesmo encanto automobilístico
do século XXI, como também a uma série de objetos que denotam o mesmo efeito na
sociedade, seguindo o exemplo do Iphone. Este telemóvel é conhecido pela sua
inovação, a constante renovação de si mesmo traz um desejo enorme de o possuir.
Não se trata de necessidade, trata-se de luxúria. Assim, deparamo-nos com uma
enorme seleção de objetos fúteis que apenas representam a sociedade de consumo
pelo que ela é. Pura e crua.
Referências
BARTHES,
R. (1957/1988) O Novo Citroen In Mitologias. Lisboa: Ed. 70.
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