sábado, 23 de dezembro de 2017

Cinema como contributo para a alienação

A indústria cultural (que se traduz por tudo o que é cultural e produzido industrialmente) manifesta-se num divertimento epidérmico, onde são mais relevantes o divertimento e o entretenimento, do que o próprio pensamento e a estimulação intelectual. De facto, a indústria cultural visa o maior sucesso económico possível, procurando satisfazer as necessidades e os interesses do maior número de pessoas.
Deste modo, deparamo-nos com uma acentuada manipulação e exploração por parte de um capitalismo agressivo (cujo poder reside nas classes economicamente dominantes), através de um controlo universal e geral das consciências individuais. Este público geral são precisamente as massas, cujos interesses são pré-fabricados pela própria indústria cultural.
As massas revelam, assim, um comportamento extremamente alienado, interrogando-se pouco, sujeitando-se à conformidade perante discursos populares, e satisfazendo-se, ainda, com bens padronizados (e produzidos em série). Daqui decorre uma sociedade alienada de si mesma.
Nesta matéria, destaca-se o domínio do cinema mainstream, que constitui uma óbvia fonte de entretenimento e um constante modo de alienação. Trata-se precisamente de um refúgio fácil para a falta de imaginação do sujeito, que recorre ao cinema — ao clássico modelo ficcional e narrativo de Hollywood —, para satisfazer o seu olhar e prazer visual. A indústria cultural, ao explorar e procurar servir os interesses das massas, surge aqui através novamente de um divertimento epidérmico, superficial e contínuo, que conduz a uma alienação total: o espetador é, inconscientemente, substituído por alguém que foi planeado na programação do filme. Assim como n’O Capital, de Karl Marx, o trabalhador, perante a dureza das condições de trabalho a que está sujeito, se torna mercadoria (ao ser mais valorizado o trabalho que produz do que a sua própria pessoa), também as massas passam por um processo semelhante de alienação, ao serem abordadas como um público fabricado industrialmente. À semelhança do filme, que é um objeto para o espetador, este torna-se também um objeto do filme, e da indústria por trás da produção do mesmo.
O ato de olhar em si pode constituir uma fonte de prazer e entretenimento que conduz a um olhar de interesse, curiosidade e controlo sobre o outro que, nesse instante, aos nossos olhos se torna aparentemente um objeto. No cinema, o contraste entre a escuridão da sala e o brilho e luz do ecrã incentivam esse olhar atento, assim como uma separação do real e, simultaneamente, a alienação do espetador, que alimenta as suas fantasias voyeurísticas. Assim sendo, a figura humana é alvo de grande foque e atenção no cinema mainstream que, em conjunto com estratégias cinematográficas, criam um mundo, um objeto de contemplação, uma realidade ilusória, que capta facilmente o olhar desejoso do espetador.

Esta realidade ilusória é sustentada pela afinidade do espetador com o protagonista do filme, o que, mais uma vez, promove a alienação do sujeito. O espetador e a personagem partilham pontos de vista, sentimentos e interesses, através desta perceção de verosimilhança. Esta ilusão patente no ecrã do cinema é ainda mais real quando, uma vez já fora da sala de cinema, o espetador vê a rua como a continuação do filme a que assistiu e o mundo real como um prolongamento do mundo ficcional representado no filme, contribuindo, deste modo, a cultura industrial e o cinema, para uma vida de distração, entretenimento, diversão e, em última instância, para a alienação.

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