sábado, 23 de dezembro de 2017

Ser Alguém

Nos dias de hoje vivemos a perspetivar um emprego que nos garanta uma maior estabilidade financeira do que estabilidade emocional. Nasci numa geração em que o “emprego com mais saída” é aquele que devo escolher e que ter uma média alta deve ser o objetivo primordial a alcançar porque, supostamente, só assim serei alguém.

O aprender tornou-se algo mecânico, que se baseia em decorar o que está num livro para reproduzir num teste escrito e esquecer de imediato, porque não capta qualquer atenção ou interesse. Na escola somos obrigados a preparar-nos para um exame que decidirá o nosso futuro, mas convém que a média seja alta para que este futuro esteja imediatamente orientado para a área da medicina, direito ou economia. Porque, mais uma vez, são as profissões que tornam uma pessoa em “alguém”. A sociedade, tal como refere Marx, vive alienada e conformada com a ideia de que o dinheiro e o trabalho são o mais importante para a evolução do ser humano. Só depois de se arranjar um emprego estável, que se repete diariamente de forma monótona e repetida, é possível garantir estabilidade. Objetivos futuros, sonhos e crenças são colocadas de lado para que o trabalho esteja assegurado e o homem passa a ser aquilo que faz diariamente: uma personagem aborrecida, cuja vida não tem entusiasmo e que apenas se deixa levar.

O “ser alguém” passou a ser o mote para a vida. Mas o que significa ser alguém? Sou alguém se me importar mais com as notas do que com os meus sonhos? Sou alguém por ir para aquilo que “tem mais saída”? Sou alguém por me alienar tanto no trabalho que me esqueço de socializar com os outros? Não. Isto não é ser alguém. É sim, ser um humano que se transformou numa máquina. É desistir de sonhos por serem “demasiado ambiciosos” e ficar sentado no sofá porque “o dia foi cansativo e tenho o direito a descansar”. Tornamo-nos insensíveis para com os outros e para aquilo que acontece na nossa vida. A importância das coisas passa a ser relativa a uma quantidade de dinheiro que estabeleci necessitar e tudo o resto passa para segundo plano.

Digo, sinceramente, que se alguns humanos fossem substituídos por robots, pouca diferença faria. E isso assusta-me. Quero que os meus filhos, os filhos deles e os filhos destes últimos pensem sobre todos os assuntos e reflitam sobre eles para que possam tomar decisões informadas. Quero que o dinheiro não seja o primeiro objetivo e que o sonho exista, sem nunca os deixar tirar os pés da terra. Quero que se sensibilizem com os outros e se relacionem com eles. Quero que, mesmo depois de um dia cansativo, consigam fazer o esforço de se levantar do sofá e lembrar-se que há vida para além das quatro paredes onde trabalham diariamente. Quero, acima de tudo, que a próxima geração cresça e diga com orgulho “Eu sou alguém.”. Porque se for assim, será alguém com certeza.

Referências
Marx, K. (1993). O Trabalho Alienado in Manuscritos Económicos Filosóficos. Lisboa: Ed 70.



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