sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Déesse

Roland Barthes, na sua obra Mitologias, escreve sobre a perfeição dos objetos. Começa por descrever como as antigas catedrais góticas eram o expoente máximo da perfeição. Notava-se nas mesmas a paixão dos artistas que as construíam, e o povo glorificava-as como sendo de outro mundo. Na sua época, Barthes compara essa perfeição de uma construção humana ao novo modelo da Citroën, o modelo DS, o qual descreve “O novo Citroën cai manifestamente do céu, na medida em que se apresenta, antes de mais, como um objeto superlativo.” 


Desta forma, este objecto particular consome em si mesmo a perfeição e a “transformação de vida em matéria”, sendo que Barthes considera esta última como mais mágica do que a própria vida. O que torna este objeto perfeito, são os olhos do público que, unanimamente, tornam a sua construção perfeita. Esse público não quis saber da sua substância, consideraram mais importante as suas junturas lisas, as quais desenvolvem um atributo de perfeição. Isto é, a sua superfície lisa dava uma ideia de transcendental, enquanto que o oposto atrai uma ideia de algo pensado e trabalhado por humanos. A perfeição não está ao alcance dos humanos e sendo um objeto considerado perfeito atribui-se a ideia de outro mundo. Torna-se num ponto de viragem no qual se passa de um “mundo de elementos soldados a um mundo de elementos justapostos, que se aguentam pela virtude exclusiva da sua forma maravilhosa” de tal forma que o público lhe atribui o trocadilho com a palavra “Déesse”, que neste caso é uma ambiguidade fonética com o nome do modelo (DS) e pelo significado de entidade mitológica de “Deusa”. Desta forma, trata-se de uma arte humanizada, pois a “Déesse” representa uma mudança na arte automobilística, que deixa para trás o automóvel que simbolizava o poder, o bestiário, tornando-se mais espiritual e objetivo.

Referência: Roland Barthes (1915-1980), "Mitologias", Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, 11ºEd.

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