sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Homem e a sociedade

“A nossa consciência é determinada pela sociedade em que nascemos, não pela nossa natureza ou psicologia individual”, (John Fiske, “Introdução ao estudo da Comunicação”, de 1993).

A ideia de cultura foi sempre um tema muito abordado, sendo constantemente procurada a sua definição. A cultura está intrinsecamente associada à sociedade.

O Homem é um ser social, que vive através de uma relação simbiótica com o meio que o envolve. O ser humano tem a capacidade de se moldar e de adaptar a todo o tipo de cenários. São as circunstâncias que o rodeiam, que influenciam a sua personalidade e a sua forma de ver o mundo. De acordo com John Fiske, A consciência que as pessoas têm de quem são, de como se relacionam com o resto da sociedade e, portanto, do sentido que conferem à sua experiência social, é produzida pela sociedade e não pela natureza ou pela biologia”. Por exemplo, na Índia, a vaca é considerada um animal sagrado devido a crenças religiosas, estando associada à deusa bovina Kamadhenu e ao deus Shiva. Este é um exemplo de como os valores instituídos na sociedade de um país influenciam a vida da população. Na índia, o consumo de carne de vaca pode levar a pena de prisão perpétua, enquanto que noutros países é comum a carne de vaca fazer parte do regime alimentar da população.

Assim, a sociedade desempenha um papel de extrema importância no desenvolvimento de uma consciência. Jean-Jacques Rousseau, pensador e filósofo iluminista, desenvolve a teoria do «bom selvagem», que irá de encontro a esta questão. O Homem era entendido como um ser naturalmente bom, puro e livre de preconceitos, passível de ser contaminado pela sociedade, pelo progresso, pela falta de liberdade e pelas falsidades impostas pelas artes e pelas regras. A sua natureza era contagiada com sentimentos egoístas, invejosos e de cobiça, como se pode verificar na seguinte citação: “What a train of vices must attend this uncertainty! Sincere friendship, real esteem, and perfect confidence are banished from among men. Jealousy, suspicion, fear, coldness, reserve, hate and fraud lie constantly concealed under that uniform and deceitful veil of politeness; that boasted candour and urbanity, for which we are indebted to the light and leading of this age.”

A sociedade tem assim o poder de moldar o ser humano, influenciando-o nas suas escolhas e no modo de viver. Esta manipula muitos aspetos da sua vida, tanto aquilo que é considerado correto como o que é considerado ético ou até mesmo verdadeiro e normal. A Sociedade está então organizada e regulada segundo vários valores e ideologias. É neste contexto, que se inserem as reflexões de Karl Marx e de António Gramsci sobre o conceito de ideologia.

Karl Marx acredita que este conceito se relaciona com as classes sociais e com a transmissão de práticas e valores entre estas. Considera que a ideologia “era o meio pelo qual as ideias da classe dominante passavam a ser aceites na sociedade como naturais e normais”. A classe mais poderosa determina práticas e valores que iam de encontro aos seus interesses e que eram aceites pela classe trabalhadora. Assim, a classe trabalhadora regia a sua vida segundo ideias de outros, vivendo, por isso, numa “falsa consciência”. “Falsa consciência”, vai então de encontro às ideias e valores subjacentes à sociedade, representando o modo como a vida em comunidade pode alterar os nossos pensamentos, levando-nos a aceitar o normal como regra e como dogma.

Também António Gramsci desenvolveu ideias de ideologia, introduzindo o conceito de hegemonia. A hegemonia da ideologia dominante, baseava-se numa constante conquista e reconquista do consentimento da maioria em relação ao sistema que a subordina.

Uma das práticas mais importantes para o estabelecimento da hegemonia da ideologia é a questão do senso comum. O facto de um certo tópico ou assunto ser aceite ou rejeitado massivamente, influencia o modo como o ser humano o vai interpretar. Por exemplo, em relação à utilização de morfina ou canábis. Se por um lado, este tipo de substâncias está associado ao vício e a questões mais negativas, estas apresentam também benefícios medicinais. No entanto, é comum a carga pejorativa associada a este tema. Este é um dos muitos exemplos em que a opinião pública assume um papel determinante na mistificação de um assunto atual.

Assim, a cultura e o modo como uma consciência se desenvolve está intrinsecamente ligada à sociedade e àquilo que esta estabelece como correto e verdadeiro, às suas regras.

Referências:
FISKE, John (1993). Introdução ao estudo da Comunicação, Porto, Edições ASA.
ROUSSEAU, Jean-Jacques (1750). Discourse on the Arts and Sciences, tradução de G.D. H. Cole., International Relations and Security Network

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