sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Nada mais que alienação

O conceito de utopia, inventado por Thomas More e que serviu de título para a sua principal obra, convida-nos a pensar sobre futuros alternativos a longo prazo, ultrapassando os horizontes da política e dos media; leva-nos a ponderar se algumas rotas futuras são preferíveis às outras, ou seja, transporta-nos para os vários universos paradoxais que poderiam eventualmente existir se tivéssemos, por exemplo, escolhido um curso diferente.
Hoje em dia, a sociedade de consumo em que vivemos, na medida em que tem implicações nocivas aos mais vários níveis – como é o caso da política - leva àquilo a que não podemos chamar de pensamento único (visto que se é único, não pode ser um pensamento), mas sim de pensamento hegemónico, que se transforma naquilo que conhecemos como senso comum ou ainda como o "politicamente correto". É a massificação do conhecimento de forma a tornar mais confortável pensar como querem os seus ativistas, tornando mais fácil aderir e render-se à mentira.
As utopias procuram estabelecer uma sociedade ideal, e não uma sociedade perfeita (apesar de existir, invariavelmente, uma confusão entre esses dois termos). Mas até que ponto é uma sociedade ideal uma sociedade saudável? Até que ponto podemos refutar a tão nociva sociedade do século XXI? Será um pensamento contra-hegemónico o melhor caminho na procura da verdade?
Seja tomado um exemplo radical: Imaginemos uma família comum que decide abdicar quase por completo dos confortos da vida moderna de uma sociedade consumista. Os pais levam os filhos para uma área de preservação ambiental isolada, onde vivem numa cabana, sem se dar sequer ao luxo de possuir luz elétrica. As crianças sabem técnicas de sobrevivência na vida selvagem, sabem caçar, pescar e têm uma preparação física de excelência. Para além de tudo isto, os pais fazem questão de lhes ensinar o valor da atividade intelectual: cultivam nestes um hábito voraz de leitura sobre os mais diversos temas, desde a filosofia à física quântica. As crianças materializariam o conceito de filósofos-reis introduzido por Platão quanto à sua utopia política. Para o filósofo grego, o governo ideal seria baseado numa aristocracia por mérito; tal como dispõe n"A República" o Estado seria dividido em três classes sociais, de acordo com o nível de educação de cada indivíduo: os comerciantes, os militares e os filósofos-reis, sendo estes últimos os governantes, ou seja, a "elite" intelectual.

Contudo, esta não passaria de uma ilusória liberdade. A ausência de qualquer interacção fora da sua “gaiola selvagem” não traria às crianças a segurança e felicidade que seria de esperar pelos pais. Considerar-se-iam ignorantes em alguns aspectos quando comparados aos outros indivíduos da sua idade, educados no modelo "comum". Aliás, o modelo de filósofos-reis não seria de facto estabelecido com sucesso, uma vez que o completo isolamento da família negaria a existência de uma sociedade, bem como um outro príncipio platónico: a dialética. Como é que as crianças poderiam sequer ambicionar contribuir para uma sociedade que aprenderam a negar? Há ausência de dialética quando um pai ensina indiretamente os seus filhos a rejeitar completamente uma sociedade que continuará a existir quer ele queira, quer não. A dialética é o processo de debate entre indivíduos que, por mais que pensem de maneira diferente e discordem uns dos outros, desejam alcançar a verdade ou respostas próximas à mesma. Assim sendo, o sistema que rege a mal conotada sociedade capitalista é nada mais nada menos que fortalecido quando não há um movimento dialético, ou seja, de debate.


Não há combate ao sistema se o indivíduo se rende a um isolamento em tudo passivo. Sem dialética, não há nada mais que alienação.

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