sábado, 30 de dezembro de 2017

O Progresso

Hoje em dia tudo é facilitado. Se quisermos ir a um restaurante típico da região, numa cidade que desconhecemos, o que é que fazemos? Basta pesquisar no telemóvel. Já não há necessidade de perguntar ou até mesmo de procurar no mapa. Se quisermos conhecer pessoas, vamos às redes sociais e iniciamos conversas, ou pedimos amizade, por outro lado, também podemos socorrer-nos do Tinder. Assim, damo-nos a conhecer, seja através das nossas escolhas, de um simples movimento com o dedo, ou através dos nossos interesses, já previamente preenchidos nos nossos perfis pessoais, ou comentários que fazemos.

Atualmente vive-se num mundo rápido, em que tudo é acessível. Privilegia-se aquilo que é imediato e que não apresenta grande resistência.

Assim, esta nova maneira de estar da sociedade influencia a sua relação com o meio envolvente. As tecnologias e os bens de consumo refletem as suas diferenças de pensamento e a sua nova maneira de interpretar e viver o mundo.

No texto “O Novo Citroën”, de Roland Barthes, o autor reflete acerca do novo modelo apresentado pela marca e de como este é visto pela população. Barthes afirma que o novo Citroën se trata de um carro que “cai manifestamente do céu”, uma vez que apresenta um acabamento próximo do maravilhoso, que chega a alcançar o sobrenatural. Este destaca-se pela sua superfície polida e lisa, considerada como representação da perfeição, daí a sua comparação a uma deusa através do nome, D.S., “sabe-se que o liso é sempre um atributo da perfeição, porque o seu contrário trai uma operação técnica e muito humana de ajustamento: a túnica de Cristo era sem costuras, como as aeronaves da ficção científica são de metal sem articulação”. O novo Citroën é então reconhecido pela sua elegância, pelo tratamento cuidado da velocidade, resultante numa peça delicadamente criada que vai de encontro às necessidades da sociedade sua contemporânea.  

Esta nova visão de beleza, de elegância e de classe são ainda hoje muito características. Atualmente opta-se pelo minimalismo, pelo geométrico e por decorações ou objetos complexamente simples. Tal como o novo Citroën, nos dias de hoje predominam os designs polidos e simples, livres de informação extra e desnecessária. Muitas multinacionais, por exemplo, a Apple que, ao longo do tempo, tem vindo a atualizar, nos sistemas operativos, os ícones das suas aplicações. A aplicação Finder, que se encontra responsável pelo gerenciamento de arquivos, é um desses exemplos. Esta aplicação começou por apresentar um ícone baseado numa figura quadrangular, onde se encontrava representado um “smile” dividido ao meio por uma linha que ultrapassava os limites do quadrado, porém, atualmente, o seu ícone encontra-se mais simplificado, uma vez que essa linha foi retirada, ficando o “smile” inserido num quadrado azul e branco perfeito, com uma aparência “clean”. O mesmo acontece com a decoração. Hoje em dia, observa-se nas casas modernas pouco mobiliário, funcional e de linhas direitas, enquanto que as casas das nossas avós, tinham decorações mais complexas e móveis trabalhados.

O belo é agora associado ao liso e ao simples, a superfícies que não oferecem qualquer tipo de resistência. Byung-Chul Han afirmava: “O polido, limpo, liso e impecável é o sinal da identidade da época atual. É aquilo em que coincidem as esculturas de Jeff Koons, os Iphones e a depilação brasileira. Porque é que o polido hoje nos atrai? Além do seu efeito estético, reflete um imperativo social geral: incarna a atual sociedade positiva. O que é polido e impecável não dói. Também não oferece qualquer resistência. Solicita-nos um Gosto. O Objeto polido anula qualquer coisa que possa confrontá-lo. Toda a negatividade é assim eliminada.” O autor reflete acerca do papel do liso no belo da atualidade e o que este representa. Byung-Chul Han defende também que o polido transmite uma sensação agradável e positividade, porém estas esgotam-se rapidamente, tratando-se de uma satisfação instantânea sem grande profundidade.

Este novo belo, baseado na facilidade e no rápido contentamento é então o reflexo da sociedade atual, uma sociedade impaciente e pouco proativa. O polido e o liso representam a fácil acessibilidade e a zona de conforto da sociedade, que opta pela primeira solução e pela resignação. Como também defendido por Byung-Chul Han, o polido não se limita ao exterior dos objetos, este existe também nas relações humanas. Hoje em dia vivemos na sociedade dos “likes” e do politicamente correto, as relações humanas assentam cada vez mais sobre estes alicerces efémeros e digitais que apenas fornecem felicidade momentânea, não passando de uma ilusão. Opta-se por este tipo de conversa, uma conversa em que a resposta pode ou não chegar na hora, dependendo se a outra pessoa estiver online. Deixa de haver o compromisso e a necessidade de presença cara a cara.

Assim, hoje em dia privilegia-se o liso e o polido, a facilidade e o conforto, a rapidez e o pragmatismo. Opta-se por soluções rápidas e que não oferecem resistência ou adversidades.

Referências:
BARTHES, Roland (1957/1988). O Novo Citroën in Mitologias, Lisboa: Ed. 70. 
HAN, Byung-Chul (2016). A Salvação do Belo, Lisboa, Relógio D’Água

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