sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Recensão Crítica: Zerkalo, o signo e o cinema


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Aclamado por muitos críticos, como sendo o melhor filme de todos os tempos, “Zerkalo” (em russo), conta a história de um homem à beira da morte, que revive o seu passado, a sua vida, através de uma odisseia de memórias, desde os seus tempos de infância até aos mesmos tempos, só que desta vez, da infância do seu filho.
Inicialmente visualizado por Andrei Tarkovski como uma sendo uma telenovela, em que iria demonstrar os períodos mais tristes e melancólicos da sua juventude, Espelho foi repensado uma segunda vez, mas, desta vez, surgia como formato de documentário, onde o cineasta entrevistava a sua mãe e refletiam sobre o mesmo período de tempo específico: a infância do autor, de maneira a se evidenciar os contrastes e a tensão entre as memórias de ambos. Foi a partir deste segundo esboço que nasceu a ideia de Mirror, não incorporando as tais entrevistas, contudo incluindo na obra cinematográfica imagens de sua mãe, Maria Vishnyakova, e de sua segunda mulher, Larisa Tarkovskaya, bem como gravações da voz de seu pai, Arseny Tarkovski, a ler poemas escritos pelo mesmo.
Numa primeira visualização para o espetador, o filme pode se tornar algo confuso, dado que aos “saltos” na narrativa, mas também devido ao facto de o cineasta ter escolhi a mesma atriz, Margarita Terekhova, para interpretar quer sua esposa quer sua mãe e o mesmo ator, Ignat Daniltsev, para lhe representar durante o seu período de infância, bem como ao de seu filho. No entanto, Espelho, ganha uma ponte de ligação, quando recitados os poemas do pai de Tarkovski, que, quando o Andrei ainda era uma criança, partiu para a guerra, deixando-os para trás, uma das memórias retratadas no filme.
Tarkovsky cria claramente uma obra autobiográfica e em vez de se focar numa narrativa que seguisse um período de tempo cronologicamente, Tarkovski deu outra vida a Mirror, ao criar uma narrativa que viajasse no tempo, isto é, que se move entre o passado e o presente, caracterizando o que era a vida de um homem do século XX, uma vida que não era vivida somente no presente, mas também vivida no passado, exatamente como memórias. Para ele, essas memórias surgem como signos, como representações mentais de uma realidade que transportam uma mensagem. O autor define desta maneira vários signos, memórias que são o resultado de uma vivência que lhe transmitiu várias mensagens. No entanto, temos de nos questionar se vemos com os mesmos olhos que o cineasta viu e se, por consequente, através da sua obra, interpretamos o que Andrei interpretou. Não, as representações mentais situam-se no plano do conteúdo, isto é, da mensagem, da interpretação, que, obviamente, depende do contexto sociocultural, onde o ser humano habita. Deste modo, a minha interpretação não é a mesma interpretação que o autor fez da sua vida, é uma interpretação de uma interpretação, pois não vivi as memórias de Tarkovski. Assim, podemos inferir que o cinema é uma janela aberta a várias interpretações e à criação de novos signos.
É importante salientar que o tempo que o cineasta trabalha é de longe um tempo pessoal ou subjetivo. Este trabalha com um tempo que lhe é dado, um tempo que é interno à própria imagem, pois defende que o ponto chave para a criação de uma obra de arte original é a complementaridade da ligação do artista com o mundo. Tarkovsky defende, deste modo, que o cinema deve surgir de uma forma honesta e natural, ponderando que o problema de vários filmes é o facto de os realizadores se perderem a corresponderem a caprichos da indústria, muitas vezes, com montagens, com imagens artificiais e em muitos casos, com narrativas concretas. Factos como estes últimos referidos podem “cortar” o tempo interno presente no filme, podem retirar a tal experiência de tempo que o espectador deve sentir ao visualizá-lo, questionando-nos qual é a principal razão de sermos atraídos para o cinema? É a experiência de tempo que obtemos, pelo menos, deveria ser, a experiência de ganhar um novo mundo por minutos, a experiência de aprendermos mais e até mesmo a experiência de criarmos novas ligações, novos conceitos.
“I think that what a person normally goes to the cinema for is time… He goes there for living experience; for cinema, like no other art, widens, enhances and concentrates a person’s experience – and not only enhances it but makes it longer, significantly longer. That is the power of cinema.”

 - Andrei Tarkowski

Trata-se de uma obra meramente sujeita à interpretação do público, visto que cada espetador pode rever-se com um momento pessoal do cineasta, de acordo com as suas vivências. Trata-se, verdadeiramente, de um espelho, onde nos refletimos, por momentos.

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