Em 1957, Roland Barthes apresenta-nos o “objeto
perfeitamente mágico” que “cai manifestamente do céu”, o novo Citroën DS considerado
um dos melhores e mais bonitos carros de sempre. Este objeto elevado
praticamente a uma divindade por Barthes (que o intitulou precisamente de “deusa”
ou “déesse”) é equiparado a construções épicas monumentais, tal como as
catedrais góticas ou o submarino Nautilus, objetos estes recheados de novidades
irreverentes que se deixam apropriar quer na sua imagem ou uso por uma
população inteira.
Embora Barthes tenha exaltado esta nova criação mágica nos
anos 50, é certo que esta concepção de objetos perfeitos vindos do céu para
servir os Homens não se ficou por aí. Partindo
de catedrais góticas, imóveis, massivas e austeras, edifícios enormes que
magnificavam a glória dos deuses, reduzindo o sujeito a um mero espectador, Barthes pega assim neste exemplo de magnificência transpondo-o para
outro objeto, também este correspondente a um ícone cultural. A escala da
catedral gótica é reduzida ao tamanho de um automóvel de cinco lugares.
Passa-se assim de um objeto que pretende ser observado e desejado para um que
realmente pode ser possuído e utilizado ao nosso dispor, um verdadeiro ícone de
mobilidade física e social.
Focando-nos agora na época em que vivemos, decerto que a
criação de novos objetos revolucionários não cessou, e qual será o equivalente
ao Citroën DS no século XXI? Qual será o objeto superlativo que revela uma transformação
da vida em matéria, que decerto aumenta a neomania do séc. XXI, que se torna na
nova «Déesse» dos tempos modernos?
O único objeto que me
parece propicio a tal comparação são os telemóveis. E entre todas as mais variadas
gamas o equivalente ao Citroën DS, considerado um carro diferente, mais puro e compatível
com o Homem, será certamente o IPhone.
Tal como o Citroën Ds, que tentou minimizar ao máximo os
seus traços de encaixes e justaposições, comparado até à túnica sem costuras vestida
por Cristo e às aeronaves de ficção científica sem articulações no metal,
também o IPhone pretende ser construído no exterior por uma única peça, com um
único botão, criando a janela perfeita para o mundo digital. Tal como Barthes referiu,
até então “o automóvel superlativo fazia parte do bestiário do poder: ele
torna-se aqui, (…) mais espiritual e mais objetivo, (…) ei-lo mais doméstico,
mais de acordo com essa sublimação da utensilagem que se encontra nas nossa
artes caseiras contemporâneas”, também esta descrição pode ser aplicada ao
IPhone. Existe claramente uma exaltação ao vidro, um aerodinamismo nunca visto
até então num objeto móvel onde a velocidade (quer visual quer digital) veio
revolucionar por completo o mundo tecnológico. Tanto o Citroën DS como o IPhone
se separam por completo dos inventos feitos anteriormente, aparecendo de facto
como se tivessem caído do céu, destinados quer ao público masculino como ao
feminino, revelando o casamento perfeito entre a estética e a funcionalidade.
Referências:
- BARTHES, Roland. 1957/1988. "O novo Citroën" in Mitologias, Lisboa: Ed.70.
- HOUZE,
Rebecca. 2016. New Mythologies in Design and Culture: Reading Signs and Symbols
in the Visual Landscape, London, Bloomsburry.
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