sábado, 23 de dezembro de 2017

Será o IPhone o novo Citroën DS?

Em 1957, Roland Barthes apresenta-nos o “objeto perfeitamente mágico” que “cai manifestamente do céu”, o novo Citroën DS considerado um dos melhores e mais bonitos carros de sempre. Este objeto elevado praticamente a uma divindade por Barthes (que o intitulou precisamente de “deusa” ou “déesse”) é equiparado a construções épicas monumentais, tal como as catedrais góticas ou o submarino Nautilus, objetos estes recheados de novidades irreverentes que se deixam apropriar quer na sua imagem ou uso por uma população inteira.
Embora Barthes tenha exaltado esta nova criação mágica nos anos 50, é certo que esta concepção de objetos perfeitos vindos do céu para servir os Homens não se ficou por aí. Partindo de catedrais góticas, imóveis, massivas e austeras, edifícios enormes que magnificavam a glória dos deuses, reduzindo o sujeito a um mero espectador, Barthes pega assim neste exemplo de magnificência transpondo-o para outro objeto, também este correspondente a um ícone cultural. A escala da catedral gótica é reduzida ao tamanho de um automóvel de cinco lugares. Passa-se assim de um objeto que pretende ser observado e desejado para um que realmente pode ser possuído e utilizado ao nosso dispor, um verdadeiro ícone de mobilidade física e social.

Focando-nos agora na época em que vivemos, decerto que a criação de novos objetos revolucionários não cessou, e qual será o equivalente ao Citroën DS no século XXI? Qual será o objeto superlativo que revela uma transformação da vida em matéria, que decerto aumenta a neomania do séc. XXI, que se torna na nova «Déesse» dos tempos modernos?
O único objeto que me parece propicio a tal comparação são os telemóveis. E entre todas as mais variadas gamas o equivalente ao Citroën DS, considerado um carro diferente, mais puro e compatível com o Homem, será certamente o IPhone.

Tal como o Citroën Ds, que tentou minimizar ao máximo os seus traços de encaixes e justaposições, comparado até à túnica sem costuras vestida por Cristo e às aeronaves de ficção científica sem articulações no metal, também o IPhone pretende ser construído no exterior por uma única peça, com um único botão, criando a janela perfeita para o mundo digital. Tal como Barthes referiu, até então “o automóvel superlativo fazia parte do bestiário do poder: ele torna-se aqui, (…) mais espiritual e mais objetivo, (…) ei-lo mais doméstico, mais de acordo com essa sublimação da utensilagem que se encontra nas nossa artes caseiras contemporâneas”, também esta descrição pode ser aplicada ao IPhone. Existe claramente uma exaltação ao vidro, um aerodinamismo nunca visto até então num objeto móvel onde a velocidade (quer visual quer digital) veio revolucionar por completo o mundo tecnológico. Tanto o Citroën DS como o IPhone se separam por completo dos inventos feitos anteriormente, aparecendo de facto como se tivessem caído do céu, destinados quer ao público masculino como ao feminino, revelando o casamento perfeito entre a estética e a funcionalidade.





Referências:
- BARTHES, Roland. 1957/1988. "O novo Citroën" in Mitologias, Lisboa: Ed.70.  
- HOUZE, Rebecca. 2016. New Mythologies in Design and Culture: Reading Signs and Symbols in the Visual Landscape, London, Bloomsburry.

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