sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Exposição «Meus pequenos amores/my little loves», Sharon Lockhart — Recensão

Numa visita ao Museu da Coleção Berardo, tive a oportunidade de ficar a conhecer a obra de Sharon Lockhart, artista norte-americana que tem vindo a desenvolver trabalho — no âmbito da fotografia e do vídeo — sobre a temática da infância e da adolescência na Polónia. A exposição está alojada no piso -1, numa sala comprida, escura e de teto baixo. As fotografias emolduradas e projeções vídeo estendem-se pelo corredor compartimentado e, a meu ver, perdem força pela carência de amplitude expositiva e luminosidade.

O sugestivo título da exposição «Meus pequenos amores/my little loves» suscita, à partida, a existência de uma forte relação da artista com as crianças e adolescentes fotografados, como se as imagens em questão contassem não somente a história do retratado, mas também a de Sharon Lockhart, que se coloca atrás da câmera. De facto, o que me despertou interesse em visitar esta exposição foi o facto de, no passado, já ter trabalhado com crianças e de me ter ocorrido documentar essa experiência através de um registo fotográfico.
“Recentemente perguntaram-me como é que eu tinha feito a diferença na vida destas miúdas... Fiquei espantada, porque a pergunta devia ser ao contrário — foram elas que me mudaram, sou eu que já não sou a mesma.” [1]
As fotografias são visualmente sugestivas, devido aos seus fortes contrastes cromáticos e brilho intenso, que por vezes sugerem uma relação de semelhança com a pintura a óleo. Contudo, no decorrer da visita, o que me despertou mais a tenção no conjunto foi a qualidade de estudo e de encenação das obras. Isto é, a sensação de que os retratos, apesar de autênticos, foram altamente ponderados e que na sua composição não se equaciona o fator «acaso». De facto, a utilização da câmera fixa e as sequências narrativas sugerem o recurso à reencenação.

[2]

A personagem «Milena» é recorrente na obra de Lockhart, tendo sido ela quem a introduziu ao centro de Rudzienko, palco onde foram captadas grande parte das obras expostas. A observação da sequência de três fotografias, patente acima, foi para mim particularmente curiosa porque só num último momento, me é revelado o rosto da retratada, ainda que com alguma reticência.

Já no final da visita, na última sala, deparei-me com várias de cópias de uma folha de jornal polaca, que havia sido traduzida para português e que podia ser levada pelos visitantes. Só mais tarde, ao pesquisar, fiquei a saber que se tratava de reprodução do suplemento semanal «A Pequena Revista» escrito por crianças e publicado com o diário judaico «A Nossa Revista», entre 1926 e 1939. Saí da exposição com um exemplar na mão e de seguida, nos transportes, li alguns excertos. Na minha perspetiva, são pequenas subtilizas como esta — uma folha que pode ser levada para casa — que enriquecem a experiência do visitante, fazendo com que este tome a liberdade de fazer uma segunda reflexão acerca do que viu, ainda que já não se encontre no local.


[1] Lockhart, S. (Entrevista). Aqui Toda a Vida é Encenada. Canelas, L. Jornal Ípsilon. Acessível em: https://www.publico.pt/2017/10/25/culturaipsilon/noticia/aqui-toda-a-vida-e-encenada-1790060

[2] Milena, Jaroslay, 2013, 2014. Três provas cromogéneas com moldura.

Rita Russo | 10652 | Design de Comunicação

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