quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Lost in Translation — Recensão

Lost in Translation é um filme norte-americano de 2003, escrito e realizado por Sofia Coppola, que tem lugar na agitada cidade de Tóquio.
O filme acompanha a vida de duas personagens americanas — Bob e Charlotte — em Tóquio, onde se encontram temporariamente. O filme leva-nos, inicialmente, a conhecer os dois protagonistas e as respetivas histórias individualmente, sendo, no entanto, inevitável comparar as duas figuras e ambas as situações. Bob Harris é um ator mundialmente conhecido, que viaja até Tóquio em trabalho, para participar num anúncio. Charlotte é, por sua vez, uma rapariga recentemente casada, que acompanha o seu marido até Tóquio, onde este se encontra também a trabalhar.
Neste filme, deparei-me, em primeiro lugar, com a importância da língua e da comunicação. O facto de nos exprimirmos através de línguas, que são inventadas coletivamente, variando de sítio para sítio e de cultura para cultura, faz com que o não conhecimento de uma determinada língua torne a comunicação um problema. Neste caso, cruzamo-nos com cenas que se tornam quase cómicas perante a confusão por parte de Bob, quando se lhe dirigem em japonês. Lost in Translation remete também para um choque cultural por parte dos dois protagonistas, quando estes se defrontam com uma cultura que nada tem a ver com a deles, ocidental. De facto, assistimos a inúmeras tentativas de Charlotte para se adaptar a Tóquio e à respetiva cultura, ao procurar e visitar templos, ao experimentar ikebana, etc. No fundo, ambos estão perdidos numa cultura diferente, na língua que não entendem, e, essencialmente, perdidos — e sozinhos — nas próprias histórias, num confronto com a própria pessoa.
Embora ambos tenham a sua própria família e se encontrem numa cidade eminentemente movimentada, os dois protagonistas não deixam de se sentir sozinhos e isolados.  De facto, este sentimento de solidão partilhado pelos dois vai conduzir a um momento de conexão quase imediata, e a uma profunda empatia. É este contraste entre a solidão, que dá origem a uma forte relação entre duas pessoas, e a multidão, onde os mesmos se camuflam, que dá força ao filme. Esta amizade tão íntima e intensa que significa tanto para os dois envolvidos — e para o espetador —, mas que parece tão insignificante e despercebida aos olhos do aglomerado de pessoas que frequenta os mesmos espaços agitados de Tóquio, encerra a peculiaridade do filme.
Simultaneamente, o filme proporciona uma relação tão natural e confortável entre os dois personagens, que, a certo ponto, nos faz questionar se os diálogos e as conversas são encenadas ou improvisadas. O filme parece tão real e a narrativa tão possível que se destacam, inegavelmente, do habitual modelo ficcional de Hollywood.
A imprevisibilidade capta a atenção de qualquer um neste filme. Com os olhos presos ao ecrã, o filme foge às expetativas do espetador com uma narrativa cujo fio condutor é moldado pelo inesperado. Ao longo do filme, nós, espetadores, concebemos uma multiplicidade de especulações com base noutros filmes nossos conhecidos. Com o envolvimento dos protagonistas que, embora sem trair os respetivos cônjuges, criam uma relação íntima, ficamos à espera que, a qualquer momento, o marido de Charlotte regresse da viagem de trabalho em que partiu. Ou acreditamos na forte probabilidade de as personagens se envolverem sexualmente — respeitando o paradigma de Hollywood. Mas o inesperado faz-se mais forte. Bob e Charlotte partilham a solidão e é essa a essência da relação.
O derradeiro momento da imprevisibilidade do filme reside no ponto em que, aquando de um abraço de despedida dos protagonistas, Bob sussurra algo ao ouvido de Charlotte que não é percetível no filme propriamente dito. É importante refletir acerca da importância atribuída a este instante do filme. De facto, este segredo é alvo de maior atenção do que qualquer parte do filme que se segue. É um momento privado partilhado exclusivamente pelos dois. No entanto, nós, espetadores, não nos conformamos com esta ocultação de algo representado no filme. Pomo-nos no papel dos protagonistas e, como tal, é-nos difícil aceitar que não consigamos ouvir uma parte, aparentemente relevante, do filme.

Finalmente, o filme sobressai ainda pela imagem e respetivas cores em si. A cidade de Tóquio é representada pelas luzes néon, que desempenham um papel central na imagem. Por contrapartida, inicialmente, as duas personagens principais evidenciam-se através da ausência de luz, o que promove o devido contraste entre a solidão que representa e a luz patente na cidade, correspondente à multidão.

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