sábado, 13 de janeiro de 2018

Mima,Nina,Mina,Nima???

Apropriação ou adaptação cultural?
Uma análise sobre os elementos de Perfect Blue presentes em Black Swan.

Para quem viu ambos os filmes Perfect Blue e Black Swan apercebe-se de uma imediata semelhança entre o anime de Satoshi Kon com o live-action de Darren Aronofsky, respetivamente. Ambos os thrillers psicológicos apresentam personagens perturbadas e exploram temas com fracturação da realidade e perda de identidade.  
Perfect Blue segue a um ídolo Pop, Mima, na sua mudança de carreira para atriz. Há por parte dos seus seguidores uma dúvida geral de que conseguirá suceder no seu papel de estreia: uma vítima de violação num crime psicológico de cariz sexual. Ao longo do filme, Mima começa a perder o sentido de realidade, misturando a história ficcional em que aparece, com os eventos dramáticos da sua própria vida. Aquando a cena de violação, há uma conotação catastrófica que vem com a libertação sexual da personagem, havendo, nesse momento, uma dissociação daquilo que é, e de aquilo que já foi. A “velha Mima”, um ser transfigurado para a realidade objetiva, torna-se assim materialização do ídolo pop inocente, para um fã obsessivo, para a sua gerente Rumi, e para a própria, que é atormentada por visões da sua imagem popstar que ameaça resgatar o seu passado.
Os seus próximos começam a morrer e com as várias camadas de ambiguidade da fracturação da realidade, o espectador nunca tem a certeza do que é que é real e do que é que é uma ilusão, do que a que é feito pela protagonista e do que é que é feito pela espectativa das outras personagens, e quanta da violência está efetivamente a acontecer ou se faz parte dos sonhos delirantes de Mima. Até à cena final, que exibe uma luta entre a personagem principal e uma ilusão da “ velha Mima” que é na verdade Rumi a projetar as inseguranças de ambas as personagens em si.



Em Black Swan a protagonista Nina após muitos anos de ser negligenciada pela sua companhia de ballet, ganha o seu primeiro papel substancial como ambos os cisnes, branco e negro, numa produção de O Lago dos Cisnes, só para descobrir que a sua técnica perfecionista está a impedia-la de atuar o mais licencioso cisne negro
Ameaçando o seu sucesso surge Lily, uma personagem vivaz e sexualmente livre, cuja técnica não é tao impecável, mas cuja presença compromete a sua oportunidade de exercer o papel. Há também a problemática da mãe de nina, uma mulher severa e autoritária que está a viver as suas ambições falhadas através da sua filha, colocando-a num estado de inocência infantil permanente que é conflituosa com os desejos sexuais represados da jovem adulta.
Estes desejos materializam-se quando o diretor do projeto pede-lhe que explore a sua sexualidade de modo a poder atuar o papel, e esta fá-lo (ou pelo menos acha que o faz) com a antagonista. Como no filme anterior, com esta libertação sexual dá-se o desenvolvimento do enredo, a personagem começa a ter visões do seu lado mais sombrio como forma do cisne negro a emergir, começando assim a misturar o sentido de realidade entre ela e as duas personagens que interpreta, eventualmente culminado na sua morte.
Num primeiro olhar pode-se entender as semelhanças dos dois filmes como um acaso, mas sabe-se que o realizador americano comprou os direitos legais de Perfect Blue para poder filmar uma cena na banheira em Requiem for a Dream igual à do anime, logo, é clara a influência de Satoshi Kon nos seus filmes e, apesar de o negar, a influência deste em Black Swan.


A primeira e mais óbvia semelhança esta nos nomes das personagens sendo distinguidas apenas por uma letra, para além disto, o facto de que ambas sofrem de dissociação de personalidade que está ligado ao seu corrompimento sexual. A ídolo pop tem um colapso após gravar a cena de violação, e a bailarina deixa de ser uma criança no corpo de uma mulher na cena de sexo com a personagem rival. Ambas as personagens sentem uma imensa pressão na sua carreira, profissão esta bastante sedutora mas que os filmes fazem questão de mostrar o seu lado mais sufocante. O desenvolvimento dos filmes apresentam uma loucura crescente, e ambos expõem alucinações iguais com as mesmas formas de representação visual. Ambas veem, em reflexos e em fotos, uma imagem igual a si, a qual julgam ser a pessoa que se estão a tornar, e ambas têm uma figura materna que põe pressão sobre as suas careiras no caso de mima a sua gerente, e no caso de Nina a sua mãe.




Será portanto Blac Swan uma adaptação de Perfect Blue? Ou esta o filme a apropriar-se não só de um trabalho pré existente, como da cultura a que este outro pertence?
No que toca a apropriações ocidentais de obras orientais são sempre levantadas questões morais, se por um lado mostra fascínio pelo trabalho alheio, por outro pega nos seus elementos culturais e aplica-os na nossa sociedade de consumo, esses significados são produzidos em massa por puro fetichismo do diferente, ignorando as relações humanas entre os povos. Dito isto acho que Aronofsky não o fez por malícia, e se não comercializa o seu trabalho como adaptação de Perfect Blue, nem assume a influência de Kon em Black Swan (ou por não querer lidar com as questões de “whitewashing”, ou por se querer distanciar do trabalho do realizador japonês) recolhesse a admiração que tem por este, e consegue criar, na minha opinião, uma verdadeira adaptação cultural, sendo por si própria uma entidade separada, pegando nos mesmos  argumentos (ainda que involuntariamente) e tecendo uma narrativa arrebatadora.

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