quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Recensão - Mother!




O diretor americano de Requiem for a Dream (2000) e Pi (1998), Darren Aronofsky, traz a numa nova história ao seu característico crescendo, o drama/thriller psicológico Mother!. O filme gerou muita polémica a sua volta após ser lançado, por abordar variados temas difíceis de tatear de uma forma evocativa. Como o cineasta Martin Scorcese defendeu a obra em uma matéria que escreveu para o Hollywood Reporter: “good films by real filmmakers aren’t made to be decoded, consumed or instantly comprehended”.

Mother! inicialmente conta a história de um casal que mora numa grande casa isolada em uma paisagem edênica. Deve-se mencionar que as personagens do filme não têm nomes. Mother, interpretado por Jennifer Lawrence é a mulher de Him, Javier Bardem, que interpreta o papel de um poeta sofrendo de writer’s block seguindo a morte de sua primeira mulher. Interrompidos por estranhos Man (Ed Harris) e Woman (Michelle Pfeiffer) que passam a conviver na casa tranquila, o casal começa a receber uma série de visitas desencadeando uma ascensão absurda, característica do estilo de Aronofsky que inevitavelmente desperta pânico e ansiedade no espectador. O diretor subverte todas as convenções e se aproxima de um drama psicológico, mesmo que suas personagens não sejam profundamente desenvolvidas. O enredo do filme trata-se de uma jornada sequencial baseada em reações. Mother! é um filme essencialmente metafórico, tratando de alegorias diferentes e fazendo com que a sua carga subjetiva esteja aberta para diversas interpretações. Mesmo que o filme careça de um foco narrativo e metafórico, ele ainda ainda consegue captar a atenção do espectador através da forma com a qual foi produzido e a sua abertura à diversas temáticas.

O filme conta com um jogo de câmera muito particular. Só há três ângulos possíveis nessa obra: os close-ups, a camera subjetiva (point of view) e vista a partir da nuca da protagonista. Eles limitam a visão completa de qualquer cena do filme, realçando a ideia de claustrofobia e desorientação absoluta, especialmente no momento de ascensão. Além disto, o tipo de fotografia evidencia também a sensação geral do filme: o filme é visto, vivido e sentido pela Mother.

Darren Aronofsky pretendia fazer uma alegoria da mãe natureza, simbolizada por Jennifer Lawrence, a relação destrutiva do homem com o meio ambiente, do homem e seu lugar no planeta, neste caso, na casa — o que foi bem retratado, através da forma como a casa em si tinha vida, evidenciado nas cenas surrealistas de um batimento cardíaco na suas paredes ou na própria sonoplastia do filme. O diretor tenta explorar a história da humanidade através de histórias bíblicas, porém não se restringe à esta temática. Nota-se também a histeria coletiva, o processo criativo, a obsessão por celebridades, a maternidade, dentre outros temas. 
Diante de todos estes elementos, o que mais chama minha atenção é o papel da protagonista. O ponto de vista de todo o filme é da Mother, sua percepção e sentimento a respeito do que acontece a sua volta, todo o sofrimento ao qual ela é submetida na sua própria casa. Apesar de ser um filme feito por um homem sobre uma mulher, ele não cai no campo do fetichismo da figura feminina, da escopofilia — como Laura Mulvey defendeu como uma vertente na sua teoria de male gaze — porém ainda é vítima do olhar feminista no sentido de que a protagonista é retratada como uma agente passiva enquanto seu marido é um agente ativo. Mother é uma personagem do lar, ela não sai da casa em momento algum, assim como passa seu tempo dando atenção e suporte para seu marido e a residência isolada em que vivem, sendo ainda vítima da construção social do papel da mulher na sociedade e em um casamento — quando a Woman a inquire sobre ter filhos se referindo à idade da protagonista e afirmando que seu relacionamento estava em jogo. Quanto mais amor investia na sua casa, maior a punição e a desvalorização que degradava seu espírito.

“Women have sat indoors all these millions of years, so that by this time the very walls are permeated by their creative force.”
Virginia Woolf, A Room of One's Own (1929)

Neste caso, Mother é “a imagem”, como descrito por Mulvey em Visual Pleasure and Narrative Cinema (1975), não no sentido da objetificação e sexualização da figura feminina mas sim no sentido da sua imagem passiva. Esta imagem é acentuada pelo papel de Him, que perfeitamente retrata em sua interpretação a distância dos dois no seu casamento, quando aparece na maior parte das vezes para consolar Mother, reforçando sua vulnerabilidade. Porém, em confronto com o male gaze, ela também toma o papel de portadora do olhar do espectador, ao invés do tradicional portador homem, o que faz da protagonista neste filme um elemento diferenciado no cinema: mesmo não sendo vítima do male gaze no sentido tradicional, ela ainda é submetida à grande frustração e castração pela sua inércia. 


Enfim, a sequência de eventos do filme Mother! até a sua ascensão deixa ao espectador a extração do sentido da sua obra, o que acaba por ser problemático. A pluralidade de referências à alegorias religiosas, ao meio ambiente, a relações intimas de um casamento, ao culto à uma celebridade/artista infelizmente não segue um eixo coerente, uma narrativa única. Quanto à famosa ascensão de Aronofsky, ela por um lado acaba por evidenciar a confusão que o próprio filme causa no espectador e por outro demonstra a habilidade do cineasta em envolvê-lo e levá-lo à viagem agonizante das suas personagens. É inevitável pensar como seria o filme se ele tivesse seguido uma única narrativa ou se fosse dirigido por uma mulher. 



Referências 

Darren Aronofsky Explains “mother!”, Youtube [https://www.youtube.com/watch?v=bOzdAHubUmI]
Laura Mulvey, Visual Pleasure and Narrative Cinema (1975)

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