terça-feira, 2 de janeiro de 2018

A crise do gênero e o Brasil

O Brasil tem visto ultimamente o maior numero de crimes de homofobia e transfobia no último ano. Infelizmente, isto é uma realidade vivida já há muito tempo, mas que tem atingido a atenção da mídia principalmente nos últimos anos. A situação ganhou maior atenção em escala global quando a atriz Ellen Page e Ian Daniel visitam o Brasil em 2016 para um episódio da série Gaycation do canal Viceland, que tem o intuito de visitar culturas LGBTQ ao redor do mundo e compartilhar suas experiências e histórias de luta e triunfo. É extremamente questionável, como um país que promove para o exterior uma imagem de uma cultura/nação livre e liberal pode ser o protagonista destes crimes contra um direito básico de escolha de género e preferências sexuais de um indivíduo. 


"Assuming for the moment the stability of binary sex, it does not follow that the construction of "men" will accrue exclusively to the bodies of males or that "women" will interpret only female bodies." 

Judith Butler, Gender Trouble

Na primeira semana de novembro, a capital Paulista viu um momento de comoção fora do Sesc Pompeia. Era o dia agendado para o seminário “Os Fins da Democracia” de Judith Butler, autora do estudo de géneros Gender Trouble, um seminário que gerou milhares de assinaturas pedindo o cancelamento do evento e acrescentando que a autora não era bem vinda no país. Já o protesto que se fez fora da faculdade, tanto de grupos conta e pró-Butler (sendo o segundo grupo maior que o primeiro), gerou uma grande polémica e chocou a filósofa norte-americana: um boneco caracterizado como uma bruxa com o rosto de Judith Butler sendo queimada.

A sociedade brasileira então vê-se dividida, onde uma grande parte dela mostra-se incapaz de reconhecer uma nova realidade e a mudança que esta exige, o afastamento necessário de um modo de pensar/uma cultura arcaico/a. A questão do género que trata também da liberdade e dos seus direitos, transcende então um debate necessário e torna-se motivo/justificativa para atos violentos no país. O papel da religião na construção social da cultura brasileira, que a princípio deveria propagar a sua doutrina do amor e compaixão, projeta fortes papeis de género na sociedade — o que a mulher deve representar, o que o homem deve ser (aqui intencionalmente articulados desta forma), apoiando uma cultura machista. Os papeis de género na sociedade brasileira são fortemente marcados, tendo a maioria da sua reivindicação por parte das novas gerações que seguem novos ideais. É alarmante a quantidade de pessoas que se opõem às ideias de Judith Butler no Brasil o que leva-nos a pensar na estatística de homicídios LGBTQ do país, onde uma pessoa a cada 25h é assassinada.


A palestra de Judith Butler em São Paulo, catalisado pelo protesto, acaba por propor uma pergunta central: quais são então os fins da democracia? Um debate que fala da violência, da liberdade e seus lugares na democracia. Crimes de ódio não poderão ser usados como instrumentos morais, religiosos e políticos para controlar uma mudança polémica que há de avançar para garantir os seus direitos, a liberdade e a segurança da comunidade.

Referências

Manifestantes pró e contra Judith Butler protestam no Sesc Pompeia, Folha de São Paulo [online: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/11/1933437-manifestantes-pro-e-contra-judith-butler-protestam-no-sesc-pompeia.shtml]
Sobre gênero, Judith Butler, aborto e tudo isso que está aí, Carta Capital [online: https://www.cartacapital.com.br/diversidade/sobre-genero-judith-butler-aborto-e-tudo-isso-que-esta-ai]

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