terça-feira, 2 de janeiro de 2018

A luxúria dos objectos

Em “O novo Citroen” Roland Barthes descreve-nos a divindade que este automóvel representa para as massas. “Creio que o automóvel é hoje o equivalente bastante exacto das grandes catedrais góticas”[1] - A imponência do seu visual fala pelo objecto, a imagem é o seu melhor atributo, o que vai para além dela é facilmente esquecível e descartável.
Roland Barthes, critica neste texto, a pequeno burguesia do século XVIII, pois esta é facilmente manipulada pela imagem, pelo exterior do objecto. Esta crítica facilmente se expande até à atualidade. O fascínio pelo objeto evoluiu de tal maneira, que passa a quebrar as barreiras de classes sociais, não se restringindo agora apenas à burguesia. A luxúria pelo objecto reflete ainda estes valores de há três séculos atrás. A substância continua assim a ser secundária, quase como que se tratasse de um bónus que acompanha o objecto, sendo o seu primeiro e quase exclusivamente o único impacto, a sua imagem. Tal como com o Citroen, um objecto industrial, anónimo, que “trai” a sua origem humana através de um design futurista, liso, perfeito - sinónimo absoluto de máquina - também os objectos de desejo da atualidade se apoderam destas características. No século XXI, pode-se dizer que em termos de automóveis, a Tesla é o novo Citroen, o carro que materializa o absoluto desejo de consumo, de propriedade. O seu design é futurista até para os padrões de hoje em dia, em que todos os objectos aspiram a uma forma mais una, completa, como se por magia, apenas tivessem sido criados assim. Em especial o Model X da Tesla, é o melhor exemplo da “vida transformada em matéria”, representa assim o ideal de perfeição humana, sem cortes, sem costuras ou articulações, a sua “concha” uma superfície contínua de metal trabalhado de forma a dar a sensação deste carro ser uma imagem quase que impossível, inatingível pelo ser comum.
É esta sensação de impossibilidade que estimula o ser humano a desejar o objecto, o design perfeito é aquele que omite a sua origem humana pois a perfeição do objeto transcende qualquer coisa que o humano pudesse construir, conferindo-lhe qualidades sobrenaturais, de um poder maior, que Roland Barthes equiparou a “Déesse” - a Deusa. O homem não quer assim, algo desenhado por outro Homem e para o Homem, a realização do querer materializa-se num objecto que aparenta ter sido desenhado por uma entidade superior, pois esta é a verdadeira materialização do belo, do desejável, um objecto que aparente transcender as capacidades deste universo, pelo menos na sua imagem.
O carro Model X da Tesla é uma comparação direta com o carro da Citroen, mas esta luxúria dos objectos encontra-se presente em objectos de qualquer categoria na atualidade. O novo Iphone X, uma Smart TV da Samsung, placas de metal perfeitas e ininterruptas que simulam uma perfeição e maestria que aparenta ultrapassar as qualidades do homem enquanto construtor. Abstraindo-nos de objectos tecnológicos, por exemplo, uma mala da Michael Kors, como a túnica de Cristo, não apresenta costuras ou articulações, é uma peça lisa e una, que tal como todos os objectos mencionados aqui, são um símbolo evidente de status quo, tanto pela sua imagem futurista como pelo preço que esta imagem vale hoje em dia.

[1] BARTHES, Roland (1957/1988). O Novo Citroën in Mitologias, Lisboa: Ed. 70.

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