segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Eu, que não sou “vocês” (só um bocadinho)

A globalização aumentou o número de trocas existentes entre os vários países, principalmente com o surgimento da internet, onde o contacto entre as pessoas se tornou mais fácil, independentemente da sua localização no planeta. O conhecimento das várias culturas existentes obtido através destas relações facilitadas continua, apesar de tudo, a ser minado por lógicas comparáveis à do chamado orientalismo. Persistem processos de diferenciação entre o “eu” e o “outro”, numa construção em que um confirma/justifica (ou mesmo define) o anterior. A noção de afastamento não se baseia tanto na distância real entre países mas sim nas distâncias (reais ou imaginadas) entre hábitos culturais. Se pensarmos na ideia que é criada e desenvolvida relativamente a pessoas islâmicas nos tempos de hoje, facilmente entendemos que este “orientalismo” ainda acontece, traduzido, entre outras coisas, em medo generalizado. Embora a internet tenha aproximado os diferentes “povos”, num novo lugar-de-ninguém, nem por isso desapareceu o racismo e a discriminação. Continuam a estereotipar-se pessoas com base na sua cultura ou naquilo que se imagina sobre dela. A categoria “nacionalidade”, e por vezes apenas o simples facto de ter um aspeto associado a uma certa nacionalidade, basta para que os estereótipos venham ao de cima. Claro que isto acontece com muitas outras “categorias” identitárias do ser humano, que resumem e separam os seres em grupos (mas suspendo por agora estas considerações).

Hoje ouvimos também falar de apropriação cultural, uma extensão do orientalismo — assimilar hábitos e elementos de outras culturas na sua. Se o seu uso pode representar uma certa admiração por “aquilo que não sou eu”, por outro lado desloca o significado inicial das coisas incorporadas, o que ainda assim podia não constituir um problema, se vivêssemos no mundo ideal. A questão é que, por vezes, as mesmas pessoas que absorvem certas características da cultura de outras pessoas, são aquelas que as discriminam exatamente por terem uma cultura diferente da sua — um retorcimento que deu origem ao título deste post. Parece que se respeitam mais os símbolos do que as próprias pessoas que os produzem.

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