domingo, 7 de janeiro de 2018

O Convento de S.Francisco de Lisboa - Recensão

Convento de S.Francisco de Lisboa
Organizado pelo Centro Nacional de Cultura sob orientação da Prof.Dra. Margarida Calado, aconteceu no início do Verão passado, uma visita guiada ao antigo Convento de S.Francisco de Lisboa, depois chamado de S.Francisco da Cidade e apelidado por Filipe II de Espanha, 1º de Portugal, de "Cidade de S.Francisco" tal a grandeza da sua construção e a vastidão da sua cerca. 
Casa antiga de 800 anos de idade mas com muitos mais de história, foi fundada no reinado de D.Afonso II, em 1217, antes ainda do estabelecimento de Lisboa como Capital do Reino (o que só veio a acontecer 38 anos depois, em 1255) situa-se no coração da cidade, no chamado Monte Fragoso (uma das "sete colinas de Lisboa"), aproximadamente no mesmo local onde, aquando do cerco a Lisboa (entre 1 de Julho e 21 de Outubro de 1147), que culminou com a conquista da cidade aos Mouros, se aquartelaram e detiverem em auxilio das forças de D.Afonso Henriques, os Cruzados Ingleses, Normandos e Escoceses que seguiam a caminho da Terra Santa, no decorrer da "Segunda Cruzada". Foi este, aliás, o único sucesso desse grande empreendimento. 
Depois de um resumo da História da Ordem de S.Francisco em Portugal, da cronologia da construção e ocupação do Convento, dos seus sucessos, dos incêndios, das reconstruções, dos alargamentos, dos terramotos (que houve vários em Lisboa, não só o de 1755), do visionamentos de slides, numa das antigas celas dos frades franciscanos, actualmente convertida em sala de aula, seguiu-se uma visita rápida ao edifício onde se incluiu um inesperado passeio pelo terraço/telhado do antigo convento, de onde (e em dias de sol, o que por acaso tivemos sorte de apanhar) se consegue vislumbrar, admirar, desfrutar e acima de tudo, qualquer um se deixa encantar ... por uma vista sobre Lisboa com o estuário do nosso Rio Tejo como fundo (ao pé dele, o Rio Sena em Paris não passa de um ribeiro de águas pardacentas), difícil de superar. Lisboa é Linda, que ninguém o negue! Mais que uma cidade, Lisboa é um vício, um destino ...
Depois de subir ao topo do edifício, descemos ao que é uma das zonas mais baixas, mais antigas e mais bem preservadas do Convento, a "Cisterna". Não sendo construção única com este fim em todo o empreendimento, uma vez que foi encontrada em escavações e trabalhos arqueológicos efectuados nos anos 90 do século passado, num dos pátios virados a poente, uma outra estrutura identificada como uma nova cisterna, provavelmente da época de D.Manuel I, reinado em que mais umas vez se fizeram obras de alargamento e beneficiação. Foi também neste reinado iniciada a construção de raiz de uma nova e monumental Igreja e, com a fachada virada para o centro da cidade, ao contrário da anterior, mais pequena e modesta, cuja  entrada era virada para ocidente, com altar-mor para nascente, tal como era preceito instaurado pela Igreja desde o século V.
Antes mesmo de entrar naquele espaço, passamos por um grande pátio, denominado precisamente "Pátio da Cisterna", por se encontrar por cima da mesma. Ai encontramos duas aberturas que serviam uma de respiradouro e outra para extracção da água nela armazenada. No respiradouro, de forma rectangular, pode ver-se aproveitamentos de pedras, certamente lápides sepulcrais (encontram-se várias em diversos lugares do convento) uma com caracteres góticos atestando a sua antiguidade; na outra, com a face trabalhada virada a sul, distingue-se talhado na pedra, parte de uma figura humana trajando uma túnica (ou vestido) comprido em tecido drapeado. Sendo virtualmente impossível na actualidade identificar a pertença de tal enterramento, posso no entanto recordar, uma outra, semelhante a esta na forma de representar o vestuário, na Sala do Capítulo do Mosteiro de Odivelas: a campa rasa datada do séc.: XIV de D.Urraca Paes, e onde mais tarde foram também depositados os restos mortais da famosíssima Madre Paula, a "preferida" de D.João V. 
Antes ainda da entrada na Cisterna, mais lápides sepulcrais, epígrafes de túmulos, e cabeceiras de sepulturas, todas anteriores ao séc. XV, cobrem totalmente o percurso do pequeno terraço que lhe dá acesso, umas mais trabalhadas que outras, umas em caracteres góticos outras em português antigo, outras simplesmente identificadas com um número, como era uso nos claustros e igrejas anexas para sepultura dos frades dos conventos e mosteiros. Reaproveitamentos, note-se, que as ossadas, presume-se, terem sido à data transladadas para o local onde actualmente se situa o "Jardim das Estátuas" (ou "das Esculturas", como também é conhecido) do MNAC, e removidas aquando da intervenção arqueológica levada a cabo em 1993 (de que já falei acima). 
Da Cisterna propriamente dita pouco mais haverá a dizer senão atestar da sua grandiosidade, e imaginar a quantidade de pessoas que ocupariam o convento a que dava serventia. Poucas existiriam (e que resistiram até aos dias de hoje) em Lisboa com tal dimensão. De planta quadrada, em cantaria e coberta por abóbada de berço, não foram até ao momento encontrados registos da sua construção. No entanto a Prof.Dra. Margarida Calado levanta a hipótese, devido à sua invulgar estrutura de ter sido construída no séc.: XIV, aquando do cerco Castelhano a Lisboa no Reinado de D.Fernando. Era pois, necessário garantir o abastecimento de água à cidade cercada. Há também a considerar a enorme semelhança com a cisterna do Castelo de Marvão no Alentejo, da mesma época, sendo as duas únicas no país no seu género.
Evento dedicado a um público interessado nestas coisas da "História das Grandes Casas de Lisboa", conduzido com mestria, escada acima, escada abaixo, foi com muito interesse que todos percorremos os imensos corredores, vimos o "Arco da Rua Augusta" mesmo ali ao lado de um nível superior, mais o "Sino da Aldeia" de Fernando Pessoa, visitámos as celas dos frades, descobrimos o «carneyro» de D.Filipa da Silva, falecida a 29 de Agosto de 1626, os azulejos rococó, os fechos de abóbada incrustado numa parede, os gessos ... e a cerca Fernandina que se adivinha ali tão perto ... 
Iniciativa a repetir (digo eu, acho eu, penso eu...), de uma forma semelhante mas desta vez para os actuais alunos da Faculdade de Belas Artes nele instalada, pois como ouvi certa vez a um filósofo de esplanada de café, algures neste pequeno mundo que é a nossa casa e com o qual concordo plenamente:
»Não se pode  nunca Amar o que não nos foi dado a conhecer!«


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