sábado, 6 de janeiro de 2018

O Romance como Simulação da Realidade

Fa Yeung Nin Wa, In the Mood for Love ou Disponível para Amar (2000), é o segundo filme de uma trilogia não-oficial de Wong Kar-Wai, antecedido por A Fei Zheng Chuan ou Days of Being Wild (1990) e precedido por 2046 (2004). Esta sétima longa metragem do realizador começa em 1962, em Hong Kong, no dia em que Chow Mo-wan, um jornalista, aluga um quarto para si e a sua mulher e, ao mesmo tempo, Su Li-zhen (Mrs. Chan), uma secretária, aluga um quarto para si e para o seu marido, um quarto ao lado do outro. Tanto Mr. Chow como Mrs. Chan são figuras solitárias ligados pelo facto dos seus cônjuges estarem pouco presentes devido à sua profissão e por manterem uma relação extraconjugal.

Tal como sugere no título, Wong Kar-Wai pretende comunicar um sentimento, um mood, um cenário mais do que necessariamente uma narrativa. Com a utilização exagerada da câmara lenta e da repetição, muitas vezes nem conseguimos distinguir se nos está a ser apresentado realidade ou sonho. Inicialmente, Mr Chow e Mrs. Chan apenas trocam algumas palavras de circunstância quando se cruzam à saída do apartamento, mas apenas ficam mais próximos enquanto vão descobrindo a relação entre os respetivos cônjuges. Os dois vão desenvolvendo uma relação que tentam não ser como a dos respetivos companheiros, e, embora seja claro que ambos estão disponíveis para amar, nenhum cede a cometer o ato imoral já cometido pelos outros.

No tratado filosófico de Jean Baudrillard Simulacres et Simulation, é discutida a relação entre realidade, símbolos e sociedade. Simulacros são cópias que representam elementos que nunca existiram ou que não possuem mais o seu equivalente na realidade. Simulação é a imitação de uma operação ou processo existente no mundo real. Baudrillard afirma que a sociedade atual substituiu toda a realidade e significados por símbolos e signos, tornando a experiência humana uma simulação da realidade.

A ideia de duplo é continuamente explorada ao longo do filme, evocando o simulacro de que Baudrillard fala. Notamos logo inicialmente que o nome das duas personagens é bastante próximo: Mr. Chow e Mrs. Chan e vamos ao longo do filme percebendo vários aspetos em que elas se relacionam, chegando à ideia de que as personagens podem realmente ser duplos um do outro. Mr. Chow fala com Mrs. Chan sobre a sua mulher e, mais tarde, Mrs. Chan faz o mesmo com Mr. Chow, nunca dando um ponto de referência e nunca mostrando os cônjuges dos mesmos, fazendo com que estes adquiram uma presença puramente simbólica. Várias cenas espelhadas, simétricas e repetidas remetem para a ideia de duplo, tanto como estes sendo duplos um do outro ou duplos dos próprios companheiros. A relação entre os dois é uma relação de pura nostalgia, de saudade do que poderia ter sido fora do contexto em que se encontram. É uma relação que consiste na imitação do ausente, na encenação do que imaginam ter-se passado entre os respetivos marido e mulher, uma pura simulação da realidade.


As cores vivas dos cenários e das roupas das personagens, remetem para o sonho e para uma harmonia demasiado exagerada para pertencer à realidade. A repetição da música ao longo do filme enfatiza a nostalgia. O clima criado é claramente a força do filme e prova que este tem mais poder no espectador que o relato comum de uma narrativa, amplificando a qualidade efêmera do filme. 



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