segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

O que vemos nós?


Para Roland Barthes, o ponto de partida para a reflexão do mito foi a sensação estranha que lhe causava a naturalidade da imprensa, arte e senso comum perante realidades históricas. Isto é, sofria por observar a confusão que os outros faziam entre Natureza e História, e queria recuperar o abuso ideológico que nele se dissimulava. Apesar de todo o seu contexto ser o da sociedade francesa dos anos 50, é ainda possível fazer a transposição de muitas das suas mitologias para a sociedade ocidental atual.

Nos dias que correm, Barthes diria que uma ida ao supermercado seria o contexto ideal para nos depararmos com diversos mitos. Com o aumento das campanhas de sensibilização para uma alimentação saudável, dentro e fora dos supermercados, somos ofuscados com a divulgação de produtos orgânicos, magros, saudáveis e com qualidade, produzidos através de meios de produção amigos do ambiente e com características excelentes para promover a nossa saúde. Mas será mesmo isso que nós vemos/consumimos? Como é que nos sentimos quando, ao entrar no supermercado, somos confrontados com os letreiros grandes, as cores vibrantes dos legumes e frutas “frescos”, as embalagens com selos de certificado de confiança, com cores em tons de verde e azul para dar a alusão à saúde? E as imagens? Numa ou outra embalagem ou letreiro, existem sempre fotografias de famílias sorridentes que, geralmente, representam o estereótipo de saúde e felicidade definido pela sociedade. Estes aspetos dão-nos a sensação de segurança e confiança e juntos funcionam para criar esse grande mito: o que nós vemos é uma realidade controlada.  

Roland Barthes continuaria a desmistificar esses aspetos através da análise semiótica, ou seja, a procurar os motivos e mensagens por detrás daquilo que, neste caso, o marketing nos escolhe mostrar. Estes “sinais” não refletem apenas significado, eles acrescentam e mudam-no. Os conjuntos ideológicos que estes pequenos pormenores possuem, são muitas vezes absorvidos por nós sem darmos conta e desta maneira somos persuadidos a adquirir estes alimentos “saudáveis” (e outros bens/objetos) através deste uso manipulador dos veículos de comunicação. 

“O mito é uma linguagem”
Roland Barthes
Referências:
Roland Barthes (1915-1980), "Mitologias", Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2001, 11ºEd.

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