Todos temos um senso comum. Tal como sabemos - quase sem precisar de levar a cabo este raciocínio - que se tocarmos num pote que esteve ao lume nos queimamos, existe uma variedade de “realidades” pelas quais inconscientemente nos regemos e que tomamos como verdadeiras. Mas, apesar de quase cegamente tomarmos essas consciências como factos, muitas delas não o são. A consciência não forma o ser; o ser forma a consciência. Esta consciência é apenas um reflexo do processo da vida de desenvolvemos, o reflexo do mundo material em que habitamos.
Com o desenvolver da sociedade (e de, consequentemente, meios como a economia e a política) e a necessidade de organização, esta começou a desenvolver consigo ideologias. Estas conseguem ser um meio forte que guia multidões e por isso, com o aparecimento de diferentes classes e hierarquias sociais, foi possível que as que se encontravam mais alto tomassem posse destas ideias e as moldassem a seu proveito. Na teoria Marxista, Karl Marx define ideologia como “o meio pelo qual as ideias das classes dominantes passavam a ser aceites na sociedade como naturais e normais”.
Marx considerava que os membros da classe oprimida, isto é, da classe trabalhadora, eram levados a entender a sua experiência social, as suas relações sociais e, consequentemente, a si próprios, através de um conjunto de ideias que não eram as deles, que provinham de uma classe cujos interesses económicos e, portanto, políticos e sociais, não só eram diferentes dos seus como se lhes opunham ativamente. 1
THE (NOT SO) GREAT AMERICA
Um dos países em que se pode observar ativamente esta realidade são os Estados Unidos da América. Este país, apesar do multiculturalismo e evolução tecnológica e social com que se apresenta, parece usar estas imagens como um véu para esconder uma outra realidade mais negra. As diferenças sociais são notáveis, tendo a população branca (elite) ainda a dominar as etnias trabalhadoras. As ideologias que os beneficiam e os mantêm no topo da pirâmide social são impostas nas classes mais baixas como se fosses “naturais e normais”.
É impossível não reconhecer a tensão racial que existe nos Estados Unidos da América. Desde a escravatura que se prolongou por séculos até à destruição de ambos os territórios sagrados e as tribos nativo-americanas que lá habitavam, as classes dominantes parecem usar estas ideologias para prolongar este efeito colonialista, defendendo a “grande América” (podemos pensar no slogan da campanha presidencial de Donal Trump, o atual presidente dos E.U.A., Make America Great Again) como um país abundante em riquezas, igualdade e tradição, mas que assenta numa base de desigualdade racial e social que beneficia os que estão no topo.
Nos últimos anos, com os movimentos de black power que têm ascendido no país, têm vindo aos olhos do público vários casos de homicídio de cidadãos afro-americanos por parte de polícias. Infelizmente, poucos destes casos têm tido alguém efeito em fazer justiça pelas vitimas. Parece existir uma junção de duas destas ideologias que, como sempre, acabam a salvaguardar os polícias que outrora cometeram um crime punível pela lei - homicídio. Uma seria o óbvio desprezo pela população negra residente nos E.U.A., escondida na ideia (inconscientemente vista pela população como normal, factual) de que o indivíduo de raça negra é naturalmente mais desordeiro e violento que o branco; outra seria a ideia de que a polícia de segurança pública existe apenas para nos servir e não seria capaz, de todo, de cometer qualquer crime ou corrupção.
Estas "ideias de classe dominante" propõem que o significado do incidente seja encontrado na natureza dos jovens negros — eles são "naturalmente" agressivos, desordeiros e irreverentes — e sugerem que os polícias são os agentes imparciais de uma lei que é objetiva e igualmente justa para todas as classes sociais. A sua consciência é, por isso, "burguesa" (...) extraem significações de "senso comum" de experiências sociais como este incidente. Esta é uma falsa consciência, porque nega o "verdadeiro" significado de que um conflito destes é causado por relações sociais e não pela natureza dos negros: a amargura deles é causada pela sua posição numa sociedade que continuamente os desfavorece e privilegia os brancos de classe média. Esta consciência não pode ver os polícias como eles "realmente" são — agentes de uma lei destinada a preservar os interesses dos que detêm a propriedade e o poder, e a manter o status quo contra qualquer força de mudança social. 1
Podemos ter como exemplo o extremo caso do homicídio de Michael Brown, um jovem afro-americano de 18 anos que morreu após Darren Wilson, um polícia branco americano de 28 anos lhe ter acertado com versions tiros da sua arma. Houve uma grande polémica à volta deste caso, por ser não só um jovem mas um jovem afro-americano a falecer. Apesar de ser factual que Brown não estava armado e que não seriam necessários doze disparos para imobilizar um adolescente que tipo alegadamente roubado um pacote de cigarros (mais tarde provado falso, tendo Brown entregue o pacote por order do dono da loja de onde saiu momentos antes do encontro fatal), Wilson foi fortemente apoiado como inocente, tendo até recebido ajuda económica num total de 500 mil dólares americanos doados pelos seus apoiantes e, mais tarde, sido livre de qualquer condenação legal. Brown, no entanto, foi frequentemente retratado como um jovem desordeiro que mereceu o fim que teve e os seus defensores, que procuravam a justiça dele e de muitos outros indivíduos negros mortos pela polícia americana sem justificação, minorias que vivem a realidade que estas ideologias lhes forçam, foram vistos como apenas mais um grupo de protestantes ingratos por tudo o que a América e a sua grandiosidade lhes oferecem.
REFERÊNCIAS
1. FISKE, John. Introdução ao Estudo da Comunicação. Porto. Edições Asa.
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