terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Sujeito – Saudade – Objeto

O conceito de Saudade, termo lusitano, é um qualquer estado de vontade, incontrolável, de se estar perto do objeto pelo qual se tem sentimento, um estado de contemplação e saudosismo. Este transpõe-se e personifica-se em objetos, que vêm a ganham um sentido ao indivíduo além da funcionalidade, além da estética. Produtos que transpõem quais queres barreiras geracionais e intensificam essa intimidade objeto-sujeito.
E nós, enquanto elementos de uma sociedade, intrínsecos a uma noção de cultura, vimos a contaminar cada experiência (sujeito-objeto). Impossível de desassociar a significações e semânticas, a cada gesto e análise. 

O Mercado da Saudade, vem a explorar essa mesma noção cultural/geracional, e lojas como A Vida Portuguesa e outras tantas, propõem a venda de marcas e produtos mais memoráveis de gerações passadas, como Conservas Tricana, Pasta Dentífrica Couto, Andorinhas Bordalo Pinheiro, Cera Encerite, Chocolates Regina, Sabonetes Confiança, etc.

São marcas registadas na memória e comercializam uma forma de viver. Relembram o quotidiano de uma época e revelam a alma de um país.
- A Vida Portuguesa. (2017). Manifesto. [online]

Produtos dotados anteriormente por uma cotação de “uso”, “mercadoria”, vêm a ser hoje em dia dotados de significados variados, reificando o mesmo objeto a uma nova ideologia, por via da cultura estabelecida numa mesma geração. Estes produtos que deixaram o seu sentido estético, alcançaram uma dimensão íntima, pessoal, além “consumo”, com foco na confiança inter-geracional, que permite às gerações atuais um foco primordial no que é antigo. Reforçado pelo conceito Vintage, hoje tão “trend”.

Esta evolução de significado de um mesmo objeto, procura retroceder, em parte, o processo do mesmo, no Conceito de Alienação e Camera Escura, em que Karl Marx vem a explicar a transformação da ideia original de objeto (uso/função prática), na ideia de valor de mercado. Percepção de realidade de um mesmo produto distorcida e falsa. Um conceito contaminado pela nova significação. Uma aproximação da realidade, mas nunca tão vívida.
Esse processo pode se entender pelo seguinte produto de exemplo do Mercado da Saudade: “Chocolates Regina”.
Este, originalmente, seguindo a lógica, possui o seu valor original para com o sujeito, “Comida”. Após o produto ser entendido para venda, impõe um valor diferente para o sujeito, valor de mercado, que por consequência reduz o Valor do Objeto, o valor original, anteriormente referido, segundo Marx.

Por via do Mercado da Saudade, atualmente, este objeto, retorna em parte o seu valor/significado original (comida/desejo) através do acrescento do valor intimo do (saudosismo), cultural, retorno a uma geração, juventude. Tão apelativo para o público alvo.
Recupera parte do Valor original do objeto, que se entendia como perdido, no seguimento da produção mercantilista, que Karl Marx se opõe.

Este tipo de mercado, encontra o equilíbrio da relação entre o sujeito-objeto, sem despromover do seu Valor de Objeto, no entanto, encontra-se encoberto de significações, atribuídas pelo saudosismo de um passado pertencente ao público alvo, do qual este anseia recuperar.


Referências
Marx, K. (1993). “O Trabalho Alienado” in "Manuscritos Econômicos-Filosóficos". Lisboa. Ed 70, p.159-166.
A Vida Portuguesa. (2017). [online]

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