terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Time Capsule – A Revista Aspen, 1965-1971 - Recensão


É uma pena que a exposição Time Capsule – A Revista Aspen, 1965-1971 (em exibição na Culturgest até 7 de janeiro 2018) não tenha tanta divulgação quanto a que acho que ela merece. Esta falta de divulgação faz-se notar logo ao entrar na galeria, pois não existiu mais nada entre mim e a exposição. De certa maneira, essa ausência de público faz com que nos absorvamos completamente naqueles dez números da revista Aspen, pelo menos, foi assim que me senti.
Aspen #1
É claro que, para nos submergirmos ainda mais nestas publicações, é importante perceber de onde estas vêm e a que época pertencem. Estamos a observar um projeto editorial que é, literalmente, uma cápsula do tempo. Aspen é mais do que uma revista, é um completo testemunho do seu tempo, quer a nível de design quer a nível dos próprios conteúdos publicados. É incrível o deslumbramento que se sente ao observar a quantidade de influências ao longo de cada número. Para começar, cada número é constituído por uma caixa/contentor dentro do qual viriam os mais diversos materiais de comunicação: desde brochuras, postais, cartazes, discos de vinil, até peliculas de filme Super 8. Cada um destes números (que chegaram apenas ao número 10) são elaborados por um editor e um designer diferentes o que os transforma numa coleção de transformações culturais que tomaram lugar nos Estados Unidos durante os anos 60.


Ao longo da exposição, somos guiados pelos vários números da revista através do uso de diferentes cores atribuídas a cada um. Cada sala oferece-nos a experiência visual do que seria a exploração e manipulação (ou unboxing) da revista por meio de vídeos que nos acompanham. Na primeira, deparamo-nos com os números #1 e #2 da publicação (The Black Box e The White Box). É interessante notar que estes primeiros números se transcrevem numa visão cultural da estância de Aspen (local onde a editora norte-americana Phyllis Johnson decidiu iniciar este projeto). O design sofisticado percorre todos os objetos adjacentes a estes dois fascículos de uma maneira soberba aos olhos do observador. De um ponto de vista pessoal, vincula de imediato a nossa atenção para com todos os propósitos e contextos histórico-sociais daquela época. A partir do terceiro número da publicação The Pop Art Issue (já com a intervenção de Andy Warhol e David Dalton e colaborações com Lou reed, John Cale, The Velvet Underground e Gerard Malanga) observamos uma viragem editorial bem afirmada. Agora chamam-nos a atenção as cores mais vibrantes e os cartazes de concertos históricos dos The Velvet Underground e as edições dos catálogos de Andy Warhol e Gerard Malanga. As texturas nos próprios objetos editoriais e as suas diferentes dimensões trazem-nos a vontade de mexer e remexer naquilo que por detrás das vitrines se encontra. No número #4 (The McLuhan Issue), Marshall MacLuhan e Quentin Fiore ajudam-nos a perceber as teorias da semiótica e do design. Nela encontramos uma brochura vermelha sobre a cegueira e a deambulação da publicidade que ostenta na sua capa a frase “Good news is bad news”, reflexo da América daquela época. 


Conteúdo do número #1 da revista Aspen
A importância desta revista é tão complexa que contém nela, para nosso encanto, textos (em primeira mão) de Roland Barthes “The death of the author” estreado no número #5+6. The Minimalism Issue é um número duplo, que se desenvolve sob cores neutras do branco ao preto e que na sua caixa apresenta cinco discos que de certo nos farão recuar em direção aos fundamentos de Marcel Duchamp (através da sua própria voz) desde a vanguarda dadaísta em direção à performatividade. Este tipo de registos fonográficos que aqui podemos observar, também no número #7 The British Issue, são introduzidos - agora com contribuições de John Lennon e Yoko Ono, numa tentativa de revisão da cultura Pop Britânica. Isto também se nota nos próprios objetos editoriais, que nos “atiram” contra uma onda mais próxima do psicadelismo típicos daquele contexto. Ao alcançarmos a vitrina que carrega o número #8 da revista Aspen, todos os seus conteúdos apontam para um panorama pós-minimal. The Fluxus Issue contém trabalhos de Jo Baer, Richard Serra, textos de Robert Smithson entre outros. 

Restam-nos apenas dois números: #9 The Psychedelic Issue concebido por Hetty e Angus McLise onde os objetos editoriais emanam cores vibrantes e composições dinâmicas, poesias psicadélicas características da afirmação do psicadelismo americano, reforçadas pelas poesias visuais de Ira Cohen: um conjunto de imagens de um estúdio com espelhos de deformação; e #10 The Asia Issue, inteiramente dedicado ao Oriente. Neste ressalta a “caixa” que é agora um envelope com caracteres chineses, desenhada por Nori Sinoto, que chamam logo a atenção e um conjunto de imagens e textos históricos relacionados com a Índia, China e Nepal.
Extremamente completa e bem organizada (num zigue zague lógico e progressivo), faz-nos querer voltar atrás na galeria, para ver e rever aqueles objetos históricos e de design. É uma viagem pelo espaço e tempo, uma experiência importante para todos, no geral, mas em particular para as pessoas do meio artístico e do design, pelas influências que esta carrega. "Uma exposição que desestabiliza qualquer visão compartimentada da arte americana de 1960 a 1970."

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