A Sociedade Nacional de Belas-Artes acolhe a exposição Memória do Sagrado de Graciete Rosa Rosa até 6 de Janeiro. Com formação superior e artística na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa e na Universidade de Aveiro, a autora apresenta um percurso nacional e internacional, com exposições individuais e coletivas, de quase trinta décadas, constituindo-se como seus meios artísticos de eleição a Tapeçaria e a Pintura. A presente mostra é constituída por quinze pinturas de técnica mista sobre tela, produzidas na sua totalidade no decurso do ano de 2017.
Memória do Sagrado pode ser descrita, sucintamente, como um percurso místico-reflexivo sobre o(s) lugar(es) do sagrado e o posicionamento humano face a este(s). Graciete Rosa Rosa convida-nos a apreciar o símbolo místico de índole privado. A artista é aqui a visionária, detentora do símbolo à partida, lançando-o publicamente para que seja elaborado, significado e fixado, procurando exprimir o não expressável no mundo exprimível.
A galeria cúbica da Sociedade Nacional de Belas-Artes transmuta-se experiencialmente em esférica dada a narrativa oculta que sequencialmente tece as quinze obras expostas. O percurso de circularidade hegeliana recorda-nos que o principio só se encontra no fim e o fim é essencialmente a realização do principio. Formas humanas soltas, descontínuas, incompletas, entre planos predominantemente matizados em tons ocres térreos e azuis celestes, evocam inquietações, teatralizações, anunciações e ascensões, numa sucessão que remete para o ciclo vital humano. Fragmentos do espaço (e não no espaço), nenhuma forma é composta insularmente, recordando a poética de John Donne Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo.
Entre a vida e a morte, ou entre vidas na sinuosidade de uma vida só, o ensaio visual proposto carrega-se misticamente não só pela expressão plástica selecionada, mas também pela modulação discursiva dos títulos. Ascender é existir, Lugar do paraíso deserto, Visão íntima no sono vigilante, Calvário de vidas, Inquietação na ascensão, No azul da anunciação o anjo espreita o sono eterno, ou Segredo do tempo divisível na anunciação, transportam-nos para o plano existencial aquém e além corpos. Corpos que assumem movimentos fluídos de emergência, voo ou imersão, movimentos quietos de contemplação ou sono, movimentos pesarosos de martírio ou elevação. A forma humana corporiza aqui a assunção junguiana de mística, conteúdo da derradeira experiência humana, fixando a vida como processo contínuo de ruína, no qual e do qual as formas emergem somente para serem apanhadas e dissolvidas.
Entre a vida e a morte, ou entre vidas na sinuosidade de uma vida só, o ensaio visual proposto carrega-se misticamente não só pela expressão plástica selecionada, mas também pela modulação discursiva dos títulos. Ascender é existir, Lugar do paraíso deserto, Visão íntima no sono vigilante, Calvário de vidas, Inquietação na ascensão, No azul da anunciação o anjo espreita o sono eterno, ou Segredo do tempo divisível na anunciação, transportam-nos para o plano existencial aquém e além corpos. Corpos que assumem movimentos fluídos de emergência, voo ou imersão, movimentos quietos de contemplação ou sono, movimentos pesarosos de martírio ou elevação. A forma humana corporiza aqui a assunção junguiana de mística, conteúdo da derradeira experiência humana, fixando a vida como processo contínuo de ruína, no qual e do qual as formas emergem somente para serem apanhadas e dissolvidas.
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| A poética no apelo à luz na vida e na morte Técnica mista s/tela (80x100cm) |
Colocado perante uma realidade de ordem diferente da das realidades naturais, o observador é conduzido para dentro, à própria experiência de sagrado. O observador religioso de certo colherá das telas elementos simbólicos que o remeterão para hierofanias familiares - anjos, mártires crucificados. O observador dessacralizado, mesmo partindo de uma existência assumidamente profana, encontrará valores que o recordarão da não-homogeneidade espacial. Trespassado pela obra, encontrará no percurso locais privilegiados do seu ciclo vital, qualitativamente diferentes de outros por velarem uma qualquer propriedade excecional única – a emoção de um nascimento, a consagração de uma união, o aconchego da pertença familiar. Lugares sagrados do universo privado, reveladores de uma outra realidade, experiencialmente diferente da proporcionada na vida quotidiana. O sagrado fala-se aqui por meio do recalcado.
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| Teatralização no espaço privado Técnica mista s/ tela (80x100cm) |
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| Libertação da força poética de padrão sensível Técnica mista s/ tela (80x100cm) |
A proposta artística aparentemente diacrónica, dado o sentido narrativo, é dotada de natureza sincrónica. Embora o uso da palavra dolorosa pareça configurar um cenário de calvário, Memória do Sagrado abre-nos uma via sacralizante sem antes, agora ou depois. A união dos elementos e a totalidade da voz convocada torna identificável a plenitude. O figurativo encerra a polaridade típica do símbolo, permitindo a interpretação em dois sentidos, um virado para a ressurgência contínua das figuras que estão atrás, um segundo para a emergência das figuras que estão à frente. O inconsciente que se foi e o sagrado que se deve ser. Uma memória produto da rememoração, simultaneamente reflexo do desejo.
Neste percurso místico-reflexivo não nos é oferecido um fim, nem um saber absoluto. A relação entre principio e fim é questionada (demonstrando-se assim a sua essência questionável). Não há a busca de uma verdade final, mas a busca da verdade como processo de significação. No fim encontra-se o principio, o fundamento, não só espacialmente, mas narrativamente. O ontológico supera e dispensa o lógico. E, no entretanto, Graciete Rosa Rosa ensina-nos que também é possível tecer com o pincel.




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