Partindo da análise feita por Barthes
do episódio Bichon Entre os Pretos, levantou-se instintivamente em mim a questão
menos focada por ele na sua dissertação. Dentro deste tema “estética acima da
ética”, o uso da inocência presente na essência da vida de uma criança para
fins artísticos é um ponto chave.
Victor Kossakovsky, realizador
russo, também caminha neste parapeito ténue entre o que é ou não
moralmente aceitável quando falamos dos limites da exploração artística, principalmente
no trato com temas humanos. Num paralelismo entre a situação de Bichon, que é
colocado pelos pais como um herói entre os canibais, encontro o momento de confronto
entre Svyato e o espelho, cujo pai o priva de observar o seu reflexo durante os
primeiros dois anos da sua vida, de forma a criar um documentário onde o mesmo interpreta
o papel principal de herói aventureiro que se descobre sem perceber que se
encontra dentro de um exercício cinematográfico.
A crueldade (ou não) desta análise
feita a um momento tão íntimo da vida humana culmina num documentário de 45
minutos, que acaba por constituir uma peça importante na ciência psicológica
que está por detrás da auto perceção e do reconhecimento da nossa própria identidade,
mas por outro lado levanta uma série de questões em relação à conduta deste pai
que parece ser primeiro profissional do que progenitor.
“Don’t film if you can live
without it” é a regra primordial para qualquer iniciante a cineasta, segundo Kossakovsky,
que parece levar à letra esta relação simbiótica que estabelece com a sua profissão,
onde não são medidas barreiras entre si a sua arte, compromisso que pode
parecer descabido aos olhos de terceiros. Roland Barthes escreve a propósito
dos perigos a que foi exposto Bichon, o bebé de poucos meses do casal de
professores “seria estúpido impor-lhos sob o único pretexto de ir fazer desenho
em África”, a menos que não se consiga viver sem isso, diriam outros.
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