segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Bichon // Svyato

Partindo da análise feita por Barthes do episódio Bichon Entre os Pretos, levantou-se instintivamente em mim a questão menos focada por ele na sua dissertação. Dentro deste tema “estética acima da ética”, o uso da inocência presente na essência da vida de uma criança para fins artísticos é um ponto chave.

Victor Kossakovsky, realizador russo, também caminha neste parapeito ténue entre o que é ou não moralmente aceitável quando falamos dos limites da exploração artística, principalmente no trato com temas humanos. Num paralelismo entre a situação de Bichon, que é colocado pelos pais como um herói entre os canibais, encontro o momento de confronto entre Svyato e o espelho, cujo pai o priva de observar o seu reflexo durante os primeiros dois anos da sua vida, de forma a criar um documentário onde o mesmo interpreta o papel principal de herói aventureiro que se descobre sem perceber que se encontra dentro de um exercício cinematográfico.

A crueldade (ou não) desta análise feita a um momento tão íntimo da vida humana culmina num documentário de 45 minutos, que acaba por constituir uma peça importante na ciência psicológica que está por detrás da auto perceção e do reconhecimento da nossa própria identidade, mas por outro lado levanta uma série de questões em relação à conduta deste pai que parece ser primeiro profissional do que progenitor.


“Don’t film if you can live without it” é a regra primordial para qualquer iniciante a cineasta, segundo Kossakovsky, que parece levar à letra esta relação simbiótica que estabelece com a sua profissão, onde não são medidas barreiras entre si a sua arte, compromisso que pode parecer descabido aos olhos de terceiros. Roland Barthes escreve a propósito dos perigos a que foi exposto Bichon, o bebé de poucos meses do casal de professores “seria estúpido impor-lhos sob o único pretexto de ir fazer desenho em África”, a menos que não se consiga viver sem isso, diriam outros.

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