terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Esboço do orientalismo moderno

Como é que entendemos e nos relacionamos com o Oriente, e, particularmente, com aqueles que são provenientes de lá, ou que lá vivem? Quem é que decide quais são os "valores" dos orientais, no que estes acreditam, o que eles desejam? Por que é que eles são considerados tão diferentes de "nós"?

Não foi aquilo que estava intrinsecamente oculto nos textos orientalistas que chamou à atenção de Edward Said e que levaria à elaboração de "Orientalism", o livro publicado em 1978 que o tornou merecidamente célebre. Na verdade, a sua análise tem como objeto tudo aquilo que é mais superficial nesses mesmos textos, pois foi nessa mesma superficialidade que o autor descobriu todo um universo de perceções e realidades distorcidas, as verdadeiras falácias construídas há centenas de anos que prevalecem em pleno século XXI. Em "Orientalism", Said caracteriza a o hegemonia histórico-cultural praticada pelo Ocidente como um colonizador, um ocupante, e um opressor. Esta hegemonia sobre o Oriente resultou na "criação" do mesmo, ou seja, foi o Ocidente que teve a ousadia de definir a sua essência. O que é dito sobre o Oriente tem vindo a predominar, ao longo de séculos sobre aquilo que este realmente é, à margem dos interesses dos seus habitantes.



Uma forma de entender o orientalismo nos dias de hoje, é vê-lo como um estilo de pensamento que insiste em afirmar que há um "nós" e um "eles", e que "eles" são diferentes e inferiores a "nós", europeus e americanos. Esta distinção básica foi infelizmente aceite pela esmagadora maioria e tem sido utilizada como uma rampa de lançamento para suportar distinções sociais e narrativas políticas a respeito do Oriente, do seu povo, da sua conduta, e até mesmo da sua mente, e por aí em diante...
O facto da teoria política e social moderna estar profundamente enraizada em perspetivas antigas e falaciosas é preocupante e dá, de facto, muito em que pensar. No fundo, foi o orientalismo que construiu os consensos que permitem e legitimam, por exemplo, as atrocidades americanas no Médio Oriente. Foi o orientalismo que abriu as portas à crescente política europeia xenófoba que se alimenta de generalizações negativas quanto a um Oriente que é igualmente uma vítima do radicalismo islâmico.
É necessário combater este pensamento de superioridade o quanto antes, não vá sair ao Ocidente o tiro pela culatra, tal não é a força que, atualmente, o Estado Islâmico já tem ganho graças a esta divisão entre o Ocidente e o Oriente. Mas como se poderá anular um conjunto de perceções que têm sido desenvolvidas ao longo de séculos? Eis a questão.

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