terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O papel da publicidade no sistema ideológico


Devo admitir que fiquei um pouco desapontada com os presentes que recebi este Natal. Não me interpretem mal, o Natal para mim é mais sobre estar com a família e com as pessoas que amo do que abrir presentes. Antes de explicar o que me deixou desapontada sinto que devo fazer uma pequena introdução.

Há dois elementos nesta história: eu, rapariga, 19 anos; e o meu primo, rapaz, 15 anos. Quando chegou a altura de abrir os presentes deparei-me com uma variedade de cremes, géis de banho e um perfume; o meu primo recebeu um leque de puzzles e um ou dois livros sobre ciências. Saliento uma pequena correção à primeira ideia deste texto: o que me desapontou não foram os presentes que recebi, que são bastante bons. O que me desapontou foi o facto de que quem me deu estes presentes me reduziu à categoria de ‘menina’ e não pensou que eu pudesse gostar mais de um puzzle ou de um livro científico ou de algo que, de facto, me fizesse pensar! No entanto o meu primo como é rapaz recebe essas coisas.

Considero triste que em 2017 ainda haja esta distinção entre géneros, em que o rapaz é visto como mais ‘inteligente’ e a rapariga é bela e pouco mais. É triste este conceito ainda estar enraizada na sociedade atual. Embora exista muita gente a lutar pela igualdade entre géneros, o sistema capitalista em que vivemos continua a perpetuar esta separação. A publicidade atua como um dos principais meios de manutenção dessa dicotomia menino-menina

O capitalismo é um sistema económico que promove uma sociedade dividida por classes, na qual prospera sempre uma classe dominante com mais poder económico que as outras. A ideia de que os homens são mais propensos a trabalho duro e intelectual do que as mulheres mantém-se desde o tempo da Grécia antiga. Embora na sociedade ocidental atual os dois géneros estejam muito mais equiparados do que antigamente, há certos ideais que persistem na nossa sociedade.

Os conceitos ideologia, hegemonia, resistência e incorporação interligam-se tanto entre si como com o próprio sistema capitalista. Segundo Fiske “o sistema económico organiza-se de acordo com os seus interesses e o sistema ideológico deriva deles, operando para os promover, naturalizar e disfarçar.” (1982). Seguindo esta lógica, o sistema capitalista em que nos inserimos promove uma sociedade dividida em classes. As classes mais beneficiadas, não querendo ceder os seus privilégios utilizam os meios de comunicação para propagar pela sociedade os os seus ideais de forma natural, a este processo dá-se o nome de ideologia. No entanto, a propagação dos ideais da classe dominante não pode ser realizado de forma opressiva, mas sim naturalmente, fazendo com que a própria classe subordinada se sinta integrada nestes ideais e esteja de acordo com eles — hegemonia — desta forma a classe dominante consegue assegurar a subordinação das outras classes. Para que o sistema perdure é necessário conquistar e renovar constantemente o consenso das classes subordinadas, para que isto suceda são utilizados métodos de incorporação. A incorporação apropria-se da cultura das classes não dominantes e da resistência — que se apercebe das intenções do sistema e se opõe a ele — incorporando essa cultura no próprio sistema económico e ideológico. O processo que combina resistência e incorporação é repetido vezes sem conta para que as classes subordinadas encontrem sempre um consenso com os ideais da classe dominante. Desta forma é assegurada a conservação do sistema económico em que vivemos, o capitalismo.

Consideremos então que neste caso, o homem se enquadra na classe dominante e a mulher na classe subordinada. A ideia de que o homem é um portador de sabedoria, e a mulher é vista apenas enquanto objeto de beleza e de desejo continua ainda muito presente na sociedade atual. Apesar de todo um movimento feminista, de resistência a esta ideologia, que apela à igualdade de géneros e à consciencialização que a mulher tem as mesmas capacidades que o homem. Um bom exemplo desta proposição são dois anúncios distintos de uma campanha de perfumes da Paco Rabanne, um perfume de homem e um perfume de mulher, Invictus e Olympéa respectivamente.

 


Uma análise mais geral a ambos os anúncios leva-nos a crer que ambos são protagonizados por pessoas com poder e com influência. Num primeiro olhar, o observador vê apenas que tanto o homem Invictus como a mulher Olympéa teriam a capacidade de alcançar os seus objetivos. Os factores que nos levam a crer que ambos têm esse poder são maioritariamente a sua atitude possante ao caminhar e a música de fundo do anúncio, POWER do artista Kanye West. Há, no entanto, uma diferença significativa entre os dois anúncios. O homem Invictus é representado como um vencedor, o que faz com que a atenção de todas as pessoas e especialmente do sexo feminino recaia sobre ele, e desta forma ele seja transformado em objeto de desejo. Na última cena do anúncio observa-se Invictus a chegar em tronco nu a um balneário, onde um grupo de mulheres o espera. O sexo feminino está, claramente representado neste anúncio enquanto ‘sexo mais fraco’, que mostra que um homem com sucesso consegue ter todas as mulheres que quer a seus pés. A sexualização do homem Invictus faz com que ele próprio seja visto como um troféu. O género feminino, ao visualizar este anúncio submete-se aos ideais da classe dominante devido à utilização da sexualização do homem e ao facto de que esta o torna desejável. Desta forma o sexo feminino consente os ideais presentes no anúncio. É de notar também, que o anúncio Invictus apareceu antes de Olympéa. Este último tem como protagonista uma mulher, Olympéa, com a aparência de uma deusa. A forma como caminha indica-nos que ela tem poder, tal como Invictus, no entanto ao contrário dele ela não se apresenta como vencedora. Ela apresenta apenas a sua aparência de deusa com um pequeno vestido que lhe mostra as coxas e o peito. Ela precisa de bater as mãos para que as pessoas se apercebam da sua passagem e quando isto acontece a atenção dos outros se foca na sua pessoa, foca-se apenas nisso, na sua imagem. Olympéa, ao contrário de Invictus é representada apenas pela sua imagem e beleza e não por uma outra camada em que também ela possa ser uma vencedora. O seu poder advém da sua beleza.

O facto de que ambos estes anúncios são bastante recentes e constantemente emitidos pela televisão em época Natalícia, suporta não só o sistema capitalista que promove a compra de bens materiais em função da criação de lucro, como também a propagação dos ideais que suportam este sistema e as classes que mais dele beneficiam. Desta forma concluo que sem uma reinvenção dos meios de comunicação e da forma como as mensagens são transmitidas não considero possível a evolução do sistema capitalista e de um sistema ideológico que lhe é adjunto. Uma reinvenção, que julgo ser pouco provável dado que a indústria dos media é das que mais beneficia do lucro criado pela venda dos bens materiais que esta promove.

Referências
[1] FISKE, John. (1982). Introdução ao Estudo da Comunicação. Edições Asa.

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