A exposição presente no Museu de Arte Popular de Lisboa, do artista holandês Maurits Cornelis Escher, revelou-se uma das mais interessantes que vi nos últimos tempos. Apresenta uma retrospectiva dos esboços enigmáticos e projectos paradoxais de um dos artistas gráficos com mais impacto no mundo.
É interessante perceber, através da exposição, o percurso do seu trabalho, que vai sofrendo influências e alterações marcantes ao longo da sua vida. O artista começa por criar muitas gravuras e desenhos realistas inspirados na natureza e em paisagens italianas. Apesar de estes não constituirem o auge da sua criação artística, não deixam de ser louváveis, a meu ver. Transmitiram-me um sentimento de adoração pelas realidades em questão, através de um traçado muito sensível e rigoroso, notável por exemplo na colecção de desenhos de Roma noturna, em que tomou um cuidado especial no contraste do preto e branco das gravuras, sugerindo a luz artificial das ruas da cidade à noite.
Para além disso, nestas suas primeiras obras, apercebemo-nos desde logo do seu olhar científico, que vai crescendo no decorrer da sua carreira artística. São notáveis as suas observações meticulosas da natureza, tanto em paisagens e recantos campestres, como em gravuras com desenhos realistas de desenhos e flores. Revelava desde então a tradução do seu mundo envolvente numa grande regularidade geométrica. Apesar de ter criado muitas obras naturalistas é visível que o seu foco principal se tratava da análise da estrutura do espaço e de tudo o que envolvia a sua perspetiva, não da representação do pormenor e do pitoresco.
Depois de abandonar Itália, que inevitavelmente marcou a sua vida e criação artística, e depois de conhecer influências mais geométricas, sobretudo depois de visitar Alhambra em Granada, começa a abordar o espaço de forma diferente. Passou a criar uma síntese que unia várias entidades espaciais numa obra com uma lógica e complexidade esmagadoras.
Um dos pontos altos da sua obra, para mim, é o facto de reunir várias influências e criações muito distintas, que acabam por constituir uma arte de “metamorfose”, uma arte em que a geometria e fantasia confluem. Escher acaba por reunir dois mundos muito distintos que se completam numa arte enigmática e inteligente marcada por uma precisão e detalhe incríveis.
A exploração de princípios científicos nas suas obras também é um factor que em muito as enriquece. O princípio da boa forma (em que perante vários elementos a nossa percepção recolhe apenas os mais simples), a lei do cheio e do vazio, a lei da continuidade (em que o nosso cérebro assumo a continuidade de uma realidade que está tapada) e a lei do côncavo e convexo, dependente da incidência da iluminação, são princípios que tornam mais complexas e interessantes as suas perspectivas e divisões da realidade. Tudo parece ser verdadeiro e plausível à primeira vista, mas muitas estruturas são figuras impossíveis, que pretendem representar o infinito em fantásticas composições sem fim.
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| Subindo e Descendo, 1960 |
O seu trabalho, por ser tão rico e genial, acaba por ser motivo de inspiração até aos dias de hoje. Muitos pintores e artistas contemporâneos tiraram inspiração do seu trabalho. Podemos também ver filmes que utilizam esta referência, como é o caso do “Inception” ou do “À noite no museu”, em que existem muitos jogos de perspetivas, bem como em capas de banda desenhadas e CD’s ao longo da história, como é o caso de “Yet Another Movie” dos Pink Floyd. É interessante perceber que esta tentativa de Escher de representar o infinito nas suas obras, acaba por ser transferida e reutilizada por muitos outros artistas, tornando-se ela mesma algo intemporal.
Não admira que o seu trabalho se tenha tornado um símbolo da relação da arte e da ciência. Apercebemo-nos inquestionavelmente, desde o início da exposição, do seu domínio na técnica da gravura e do desenho, bem como dos contrastes do preto e branco e da luz-sombra. Ao mesmo tempo, o que marca e distingue o seu traçado exímio é o que torna a sua arte tão fantástica - o seu conhecimento científico e matemático - fundamental na construção de mundos fantásticos em perspetiva.



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