quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Mon Oncle - recensão


Jacques Tati, cineasta francês, traz-nos em 1958 o filme Mon Oncle, que apresenta o cenário de uma França que acaba de sair dos difíceis tempos de guerra e que se via envolta num processo de modernização e industrialização.

Neste contexto, o filme Mon Oncle pode ser visto como uma sátira à mecanização e à modernidade tecnológica que dominou a Europa na era da reconstrução do pós-guerra.

É um filme onde o embate entre o arcaico e o novo se faz evidente. Mostrando de perto o avanço da modernidade,  em contraste com a França ainda não "modernizada" . Essa realidade está lá presente, barulhenta, cheia de cores, cheia de vida, desorganizada, bem ao lado dessa França moderna, que se prepara  para a industrialização, a padronização e as cores sóbrias do moderno. Logo na primeira cena se torna evidente esta disparidade, uma vez que se mostram cães a brincarem na parte antiga da cidade, na qual impera

a informalidade, a confusão, o canto dos pássaros, a humanidade. No entanto, logo que a ruína que serve de nítida fronteira entre o mundo tradicional anteriormente referido, e o mundo moderno, marcado pela impessoalidade, pelo trabalho exaustivo, pela sincronia, pelo ruído das máquinas e a sobriedade.
Com o decorrer do filme, Tati dá-nos a conhecer uma série de elementos que mostram na sua perceção, uma modernidade que desumaniza as pessoas, começando pela arquitetura fria e sem vida que reflete o quotidiano dos habitantes dessa cidade além ruínas (retratada na família Pichard). Todas e quaisquer construções parecem ser iguais, a escola, a casa da família Pichard, a insdústria Plastac, a rodoviária, etc. Todas elas seguem os mesmos padrões, todas sem pintura, nas quais abunda o vidro e as vigas metálicas, desprovidas de humanidade.

A perda de humanidade, em prol do serial, do industrial e do artificial surgem em cenas como a que retrata o modo sincronizado com que os carros (todos eles parecidos entre si) se movem, ou no chafariz da casa dos Pichard, que é ligado de acordo com a importância social de cada visitante. O que mostra que essa modernidade que chegava, homogeneizava somente aqueles que a ela pertenciam.


É constantemente retratada uma sociedade de aparências, em que as coisas são projetadas para ser vistas, não disfrutadas. Uma sociedade em que ressaltam ruídos frequentes, provocados por todo o aparato tecnológico. Uma sociedade que passa a ideia de que as sensações visuais e a ostentação económica devem prevalecer sobre tudo, inclusive sobre a conceção de lar como um lugar de descanso, conforto e paz.

Em contraste, surge o bairro em que o Hulot  (o"tio" a que se refere o título do filme). Este é um bairro marcado pelas construções mais velhas, mas ainda assim com mais vida, em que abundam as cores, as pessoas, e sons ao invés de ruídos. As pessoas vivem num regime em que reina a espontaneidade e a alegria na execução das ações, no qual o trabalho ocupa um lugar secundário. O próprio Hulot pode ser entendido como uma personagem tipo daqueles que perdem espaço para uma outra França moderna. Desajeitado mas espontâneo e amável, este personagem é uma ameaça para Charles Pichard, por causa da educação do seu filho Gerard, uma vez que ele é como uma ponte entre a França retrógrada e a França do progresso a que o menino está exposto.

Preso entre estes dois mundos, a comprovação de que Tati tece uma crítica à modernidade está na preferência de Gerard pelo mundo tradicional, que lhe tem anexas brincadeiras politicamente "incorretas" em vez de brinquedos industrializados, matagais em vez de jardins, desordem espontânea em vez de uma minuciosa sincronização.




Neste sentido, as cenas finais fazem transparecer o profundo desalento e preocupação do cineasta Francês relativamente ao futuro do seu país. Isto é mostrado através do avanço da modernidade sobre o bairro tradicional, que é brutalmente arrancado para ceder lugar às funcionais estruturas modernas.
A própria mudança de Hulot da vila, mostra uma derrota do modo de vida tradicional, que ia embora com as pessoas na rodoviária, enquanto o bairro era demolido ao som de picaretas. Com as pessoas vai embora a vida.

Fica o funcional, o produtivo, o chato , e o "sem vida".



Cito ainda Inês Catarina Pinto, que escreve um artigo sobre o filme em questão na primeira edição da publicação NEVOAZUL (revista que recai sobre o minimalismo):
 

"Nowadays, technology is present in almost every task we perform in our daily lives. But we can fool ourselves into believing that technology is the unquestionable solution for the future. In this movie, Jacques Tati shows us that a futuristic, smart house doesn’t necessary mean a simpler, more meaningful life."

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