"O Nascimento de uma Nação" por David L. Griffith foi considerado por diversas revistas e editoras um dos melhores filmes de sempre. "O melhor filme da época" no ano da sua estreia, em 1915, o filme de Griffith surge como a maior revelação cinematográfica alguma vez experienciada no mundo do cinema. As panorâmicas, as fotografias nocturnas, os efeitos de íris, os close ups, os flashbacks e os fades contribuem em grande parte para a grande admiração da sociedade americana da época por este filme.
O filme divide-se em duas partes: o antes e o depois da morte de Lincoln. Na primeira parte do filme, assistimos à vida quotidiana dos Stoneman, uma família abolicionista da escravatura de Washington DC e dos Cameron, provenientes do sul dos EUA e donos de propriedades e escravos, ambas afectadas com o despoletar da Guerra Civil Americana (1861-1865). Das centenas de personagens presentes neste filme podemos destacar: Austin Stoneman, político abolicionista; a sua delicada filha Elsie; Margaret Cameron, a irmã mais velha e refinada; e Flora, a irmã mais nova de Margaret, sonhadora e inocente. As famílias vivem em harmonia, as crianças frequentam a mesma escola e surge o amor entre Margaret e Phil Stoneman. A Guerra é então a culpada da separação destas duas famílias quando uma delas regressa a casa, dirigindo-se para Norte.
Ao adaptar dois livros e uma peça de Thomas Dixon Jr. (The Clansman: An Historical Romance of the Ku Klux Klan, The Leopard’s Spots e The Clansman, respectivamente), Griffith retratou a Guerra Civil como os brancos a viam e como queriam que fosse vista. Os desvios e as invenções ao longo da história denotam como havia uma necessidade imensa de apagar a derrota em prol do martírio, aproveitando para tornar o povo Africano o culpado da Guerra.
Numa das cenas da família Cameron, os escravos dançam felizes para eles enquanto trabalham nos campos de algodão. Esta cena ridiculariza a situação de pobreza e exploração vivida pelos negros, pois estes jamais sentiriam vontade de dançar de felicidade. Mais tarde, já noutra cena, a pequena Flora foge de casa contra a vontade do pai e vagueia pela floresta. Gus, um dos escravos negros, vai atrás dela e pede-a em casamento. A rapariga grita por ajuda e corre desalmadamente. "Eu não lhe vou fazer mal, senhorita", diz o escravo, mas esta lança-se de um abismo tal é o pavor à ideia de ser violada por um negro.
Aquilo a que aqui se assiste é uma previsão tremendamente precisa de como a "raça" viria a funcionar nos anos seguintes nos EUA. A imagem da mulher branca vítima de uma violação por parte de um negro atormentou uma geração inteira e este filme contribuiu para esse feito. Ironicamente, tanto na época como até aos dias de hoje, as histórias de uma mulher negra violada por um homem branco são as que sempre aconteceram mais frequentemente.
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| Homicídio de Lincoln, Ford's Theatre, 1865 |
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| Assassínio de um negro por membros do KKK |
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| Ritual da queima da cruz do KKK |
O seu conteúdo racista e extremista, as terríveis aplicações gráficas dos efeitos de vídeo e a duração do filme, de cerca de 3 horas, tornam o filme, na minha opinião, de qualidade medíocre. A sua construção cinematográfica é incoerente e os efeitos visuais excessivos tornam o filme menos rico. Como todos os filmes da época, este é a preto e branco e não tem qualquer tipo de guião; apenas cenas acompanhadas por uma partitura que se altera conforme o ambiente em cena.
Em determinados aspectos da nossa sociedade somos o produto do nosso passado: os brancos são vistos como superiores aos negros; mulheres são tidas como inferiores aos homens. A escravatura foi abolida e simultaneamente culpada de deixar a economia de um país destruída. A guerra deixou marcas eternas na história: a grande vaga de presos, sem-abrigo e pobres que surgiu após este período reflecte-se na sociedade em que este país vive até aos dias de hoje. Diariamente são cometidos pequenos delitos e mais pessoas são presas pelo Estado.
O que este filme provocou, ou pelo menos, incentivou, foi o crescente pensamento extremista e altamente racista de toda uma população. Em 1994, "a terra das oportunidades" criou a Three-Strikes Law ("Três vezes e estás fora") que exclui da sociedade qualquer pessoa que cometa mais do que dois crimes. O objectivo é agravar a punição atribuída aos criminosos, chegando-se a sentenciar prisão perpétua por crimes definidos como "não violentos".
Hoje, os Estados Unidos da América possuem a taxa mais elevada do mundo de população prisional. Em 1972, esta taxa equivalia a 300 mil reclusos. Actualmente, 2.3 milhões de pessoas encontram-se detidas em prisões estatais nos Estados Unidos da América.
Como poderá um país que se auto-condenou levando ao extremo o racismo continuar a apoiar o mesmo?
Há 6 meses atrás, pela quarta vez consecutiva o tribunal de Ohio não condenou um polícia pela morte de um negro - Sam DuBose, 43 anos. A 6 de Julho de 2016, Philando Castile foi mortalmente baleado por um polícia ao declarar que transportava consigo legalmente uma arma de fogo. Mark Dayton, Governador do estado do Minnesota, ainda questionou: isto teria acontecido se os passageiros fossem brancos?
A resposta é não. Apesar da crescente mudança da mentalidade anti-racista, ainda existem bastantes contrastes entre as diferentes etnias. Infelizmente em alguns países, preto é preto, branco é branco. Um negro sozinho na rua é um assaltante, um branco está apenas a caminhar em direcção a casa.
Por fim, questiono-vos: Apesar de há 100 anos se terem passado desde o seu lançamento, como pode um filme destes ainda inspirar mentalidades dos dias que correm e influenciar jovens das novas gerações?



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