terça-feira, 2 de janeiro de 2018

"Porque está na moda"

Na vida das sociedades onde reinam as condições modernas de produção, ocorre uma imensa acumulação de espetáculos e que tudo o que era vivido realmente se tornou uma grande representação.
As imagens que se apresentam na vida, constituem um mundo à parte, isto é, as imagens possuem uma realidade própria, que acabam por se encerrar na construção de diversas realidades que se cruzam  num movimento dinâmico. O espetáculo unifica a sociedade, onde o espetáculo não é só um conjunto de imagens, porém uma relação social entre pessoas.
 Na sociedade em que se convive com a indústria moderna, o espetáculo inicia-se e encera-se nele mesmo, transformando-o na principal produção da sociedade atual. Através da representação é possível relatar a realidade de muitos através da representação. Com a imagem, os aspetos da vida fundem-se com o espetáculo, onde o mentiroso mente a si mesmo.
 É a irrealidade de uma sociedade real.
O espetáculo saiu dos palcos e passou para as ruas. A sociedade quotidiana começou a tornar-se num conjunto de personagens que interagem entre si através de reações aos elementos a que são expostos sob todas as formas: propaganda, publicidade, consumo, direto do entretenimento. O espetáculo constitui uma forma única de consumo.
 Esta necessidade social de se viver através de imagens tornou-se quase como um instinto natural para o ser humano, o ter e o ser perdeu espaço para legitimar o parecer, transformando estas imagens em realidade social.
No entanto fomos reduzidos a uma sociedade espectadora, regendo-nos através do espetáculo. Assistimos a realidade na qual estamos inseridos, da qual fazemos parte. Observamos e fazemos, somos o público e os atores da sociedade.
A origem do espetáculo é a perda da essência do mundo e a expansão gigantesca do espetáculo moderno revela o quão grande foi essa perda.
Todo o trabalho particular e a produção geral, traduz- se perfeitamente no espetáculo. Deste modo, leva a sociedade espectadora a distanciar-se do conhecimento da sua própria existência. O espetáculo na sociedade corresponde a uma fabricação concreta da alienação.
Todo espetáculo, imagem, propaganda mostra uma gama imensa de tendências e objetos. Com isso é capaz de ditar modas e até campanhas contra ou a favor de uma causa, denegrir ou arruinar, pois é a principal produção da sociedade atual.

Até que ponto a sociedade de hoje não se embrenhou no espetáculo, e caso esta consiga libertar-se deste, será o melhor a fazer? Saberia uma sociedade de hoje viver sem o espetáculo?

Uma sociedade que vive do parecer, provavelmente não conseguiria viver com a realidade do “real”, existiria sempre a necessidade da auto-afirmação e esta auto-afirmação seria o cerne do parecer, seria certo que voltaríamos a este ciclo de relação entre o ser, o ter e o parecer.
Como todas as nossas ações começaram a ser feitas em torno do parecer, sendo isto numa sociedade do consumismo, todas as nossas ações começaram a gritar “quanto mais tenho, mais pareço e quanto mais pareço mais poder social tenho”. Tornou-se uma sociedade materialista e superficial, onde o que mais interessa é a quantidade de objetos da moda que temos. O conteúdo de uma pessoa passou para uma posição secundária.
Sendo que o espetáculo é a principal produção da sociedade atual, a criação de modas torna este aspeto do parecer ainda mais saliente. Falemos, por exemplo, de um objeto físico, um produto, uma mercadoria. Essa mercadoria cai em moda devido ao espetáculo e a toda a propaganda que se faz em torno desse objeto. A sociedade materialista e superficial corre para o ter.
Esta corrida para obter estas mercadorias torna se numa corrida ao parecer, e quanto mais uma pessoa correr atrás destes objetos para adquiri-los, mais poder social ela terá na comunidade onde vive, pois tem nas mãos um objeto que a sociedade quer ter.
E vemos isto todos os dias, vivemos com isto desde que nascemos, e basta perguntar a uma criança porque é que ela quer “aqueles ténis” e não outros quais queres. A resposta seria simples e concisa: “Porque está na moda”.

Refência: Guy Debord ; Sociedade do Espectáculo ; 1967.

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