segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Recensão do filme "Silence" 2017

Recensão do filme Silence 2017

 The man who was once Rodrigues ended as they wanted. And as I first saw him, lost to God.

Silence, realizado por Martin Scorsese, argumentado por Jay Cocks e baseado no romance Chinmoku de Shusaku Endo, chegou ao cinema português a 19 de janeiro de 2017. O filme narra a perseguição ao cristianismo no século XVII, mais precisamente aos padres jesuítas Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe que partem em missão para o Japão em busca do sacerdote Cristóvão Ferreira, seu pai da fé e que agora se dizia apóstata.

Durante este “recrutamento”, os dois jesuítas encontram muitas dificuldades. Nagasaki, uma cidade de um país equiparado a um pântano, não tem espaço para deixar crescer outras religiões para além do budismo e por isso as autoridades permanecem com uma violenta perseguição aos cristãos, porque na perspetiva deles, converter-se a esta religião monoteísta é perder a liberdade. No início torturavam-nos com o intuito de que renunciassem à sua fé, mas com o tempo Inoue-sama apercebeu-se de que o objetivo não era atingido. Pelo contrário, quase todos morriam por Cristo, formando os mártires, que alimentavam cada vez mais a Igreja Católica.

Então a estratégia é alterada. Começaram a atacar a raiz da religião, os padres, que agora iam decidir o futuro dos cristãos. Mesmo aqueles que apostatavam eram colocados na fossa, a sangrar de cabeça para baixo, e apenas o sacerdote podia salvá-los... ao apostatar. Os padres deixariam de existir e consequentemente as comunidades.



Ferreira tinha apostatado e tanto Rodrigues como Garupe não conseguiam acreditar na notícia trazida. Por isto vão até ao Japão. Só que nada do que aconteceu estava previsto: viver os primeiros dias às escondidas, celebrar eucaristias à noite com algumas comunidades, fugir das autoridades. A dada altura separam-se, Garupe morre afogado com outros cristãos, Rodrigues encontra-se com Ferreira, convertido ao budismo, e acaba por ser capturado numa prisão de tortura de cristãos, onde comete apostasia.

Nos últimos momentos do filme temos Rodrigues a trabalhar com Ferreira num templo budista como examinadores de produtos Holandeses, os únicos europeus autorizados a fazer comércio no Japão. Os objetos eram todos revistados e não seriam postos no mercado caso contivessem um único símbolo cristão.


Rodrigues acaba por adotar o nome de Okada San’emon, um japonês que morre e deixa mulher e um filho. Passa o resto da sua vida com dúvida e num momento é interpelado por Kichijiro que lhe pede para fazer penitência.

Morre e tem um funeral budista, com um pequeno pormenor na mão, uma cruz, deixada pela sua mulher.



O título do filme tem desde cedo um grande impacto nos espetadores. A primeira imagem que nos é apresentada é um fundo negro, um vazio, acumulado de muito ruído que é estancado ao mesmo tempo que aparece sobre o ecrã a palavra “Silence”.
O filme em si é silencioso, porque é muito mais eficaz em levantar questões do que dar respostas. É confuso, mas por isso é que tem tudo para ser um bom filme, porque me faz refletir e leva-me a questionar a sua essência.
Muitas vezes não tenho consciência do que é o silêncio e sou logo de início convidada a encontrar-me com ele. Traduziram muito bem o seu significado no grande ruído que se prolonga numa imagem completamente negra e que é estancado ao mesmo tempo que aparece sobre o fundo a palavra “Silence”.

O que quer o filme transmitir? O Cristianismo diz que o sofrimento é a árvore da salvação. Os cristãos que morrem junto a uma cruz no início do filme passam por um grande sofrimento, mas partem com esperança de terem aberto uma porta para o reino dos céus. Então quando um padre, que conhece as escrituras, é colocado a optar entre apostasia e sofrimento, é suposto escolher a segunda opção, mesmo que isso implique tortura e morte (desde que a vítima tenha escolhido não apostatar). Rodrigues apostatou para salvar aqueles Homens, mas, segundo a religião, se não o tivesse feito tinha salvo aquelas almas (=mártires). Então não há sentido para o sofrimento?

O silêncio de Deus. Rodrigues no desespero suplicava por uma resposta divina e nunca a obteve. Rezava e não ouvia Deus falar (“Am I just praying to silence?”). Aflito, sem ter resposta aos insultos de Ferreira, já não sabe o que é correto fazer. Então, no momento de pisar o fumié com a imagem de Cristo, Ele fala-lhe. Diz: “Come ahead now. It’s all right. Step on me. I understand your pain. I was born into this world to share men’s pain. I carried this cross for your pain. Your life is with me now. Step”. Não há respostas óbvias. Rodrigues que tinha sido cristão antes de ouvir a voz de Deus, decide fazer apostasia depois de ter a certeza da sua existência. Se tivesse cometido esta ação apenas para salvar os sofredores, nos dias posteriores continuaria a rezar a Deus, no seu íntimo. O filme não demonstra isso.

Afinal de contas Rodrigues e Ferreira renunciaram à fé cristã mesmo? Quando converteram-se ao budismo, ambos aparecem duvidosos. Rodrigues chega a confessar Kichijiro? Porquê que os dois antigos padres estabelecem entre si olhares duvidosos no momento de examinar os produtos Holandeses? Porquê que a mulher de Rodrigues, budista, coloca-lhe uma cruz entre as mãos no seu caixão? Será que nunca deixou de ser cristão?


Nada do que está escrito pode dar uma pequena sensação do que foi o filme. Foi tanto o que se viu e ouviu que torna-se difícil organizar as ideias. Aconselho a assistirem-no, a entrar na sua perspetiva, a vivê-lo. Deixem-se questionar.

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