Recensão
do filme Silence 2017
“The man who was once Rodrigues ended as they wanted.
And as I first saw him, lost to God.”
Silence,
realizado por Martin Scorsese, argumentado por Jay Cocks e baseado no romance Chinmoku de Shusaku Endo, chegou ao
cinema português a 19 de janeiro de 2017. O filme narra a perseguição ao
cristianismo no século XVII, mais precisamente aos padres jesuítas Sebastião
Rodrigues e Francisco Garupe que partem em missão para o Japão em busca do
sacerdote Cristóvão Ferreira, seu pai da fé e que agora se dizia apóstata.
Durante este “recrutamento”, os dois jesuítas encontram
muitas dificuldades. Nagasaki, uma cidade de um país equiparado a um pântano,
não tem espaço para deixar crescer outras religiões para além do budismo e por
isso as autoridades permanecem com uma violenta perseguição aos cristãos,
porque na perspetiva deles, converter-se a esta religião monoteísta é perder a
liberdade. No início torturavam-nos com o intuito de que renunciassem à sua fé,
mas com o tempo Inoue-sama apercebeu-se de que o objetivo não era atingido.
Pelo contrário, quase todos morriam por Cristo, formando os mártires, que
alimentavam cada vez mais a Igreja Católica.
Então a estratégia é alterada. Começaram a atacar a
raiz da religião, os padres, que agora iam decidir o futuro dos cristãos. Mesmo
aqueles que apostatavam eram colocados na fossa, a sangrar de cabeça para
baixo, e apenas o sacerdote podia salvá-los... ao apostatar. Os padres deixariam
de existir e consequentemente as comunidades.
Ferreira tinha apostatado e tanto Rodrigues como
Garupe não conseguiam acreditar na notícia trazida. Por isto vão até ao Japão.
Só que nada do que aconteceu estava previsto: viver os primeiros dias às
escondidas, celebrar eucaristias à noite com algumas comunidades, fugir das
autoridades. A dada altura separam-se, Garupe morre afogado com outros
cristãos, Rodrigues encontra-se com Ferreira, convertido ao budismo, e acaba
por ser capturado numa prisão de tortura de cristãos, onde comete apostasia.
Nos últimos momentos do filme temos Rodrigues a
trabalhar com Ferreira num templo budista como examinadores de produtos
Holandeses, os únicos europeus autorizados a fazer comércio no Japão. Os
objetos eram todos revistados e não seriam postos no mercado caso contivessem
um único símbolo cristão.
Rodrigues acaba por adotar o nome de Okada San’emon,
um japonês que morre e deixa mulher e um filho. Passa o resto da sua vida com
dúvida e num momento é interpelado por Kichijiro que lhe pede para fazer
penitência.
Morre e tem um funeral budista, com um pequeno
pormenor na mão, uma cruz, deixada pela sua mulher.
O título do filme tem desde cedo um grande impacto
nos espetadores. A primeira imagem que nos é apresentada é um fundo negro, um
vazio, acumulado de muito ruído que é estancado ao mesmo tempo que aparece
sobre o ecrã a palavra “Silence”.
O filme em si é silencioso, porque é muito mais
eficaz em levantar questões do que dar respostas. É confuso, mas por isso é que
tem tudo para ser um bom filme, porque me faz refletir e leva-me a questionar a
sua essência.
Muitas vezes não tenho consciência do que é o
silêncio e sou logo de início convidada a encontrar-me com ele. Traduziram
muito bem o seu significado no grande ruído que se prolonga numa imagem
completamente negra e que é estancado ao mesmo tempo que aparece sobre o fundo
a palavra “Silence”.
O que quer o filme transmitir? O Cristianismo diz
que o sofrimento é a árvore da salvação. Os cristãos que morrem junto a uma
cruz no início do filme passam por um grande sofrimento, mas partem com
esperança de terem aberto uma porta para o reino dos céus. Então quando um
padre, que conhece as escrituras, é colocado a optar entre apostasia e
sofrimento, é suposto escolher a segunda opção, mesmo que isso implique tortura
e morte (desde que a vítima tenha escolhido não apostatar). Rodrigues apostatou
para salvar aqueles Homens, mas, segundo a religião, se não o tivesse feito
tinha salvo aquelas almas (=mártires). Então não há sentido para o sofrimento?
O
silêncio de Deus. Rodrigues no desespero suplicava por uma resposta divina e
nunca a obteve. Rezava e não ouvia Deus falar (“Am I just praying to silence?”). Aflito, sem ter resposta aos insultos
de Ferreira, já não sabe o que é correto fazer. Então, no momento de pisar o
fumié com a imagem de Cristo, Ele fala-lhe. Diz: “Come ahead now. It’s all right. Step on me. I understand your pain. I was born into this world to share
men’s pain. I carried this cross for your pain. Your life is with me now. Step”. Não há respostas óbvias. Rodrigues que tinha sido cristão
antes de ouvir a voz de Deus, decide fazer apostasia depois de ter a certeza da
sua existência. Se tivesse cometido esta ação apenas para salvar os sofredores,
nos dias posteriores continuaria a rezar a Deus, no seu íntimo. O filme não
demonstra isso.
Afinal
de contas Rodrigues e Ferreira renunciaram à fé cristã mesmo? Quando converteram-se
ao budismo, ambos aparecem duvidosos. Rodrigues chega a confessar Kichijiro? Porquê
que os dois antigos padres estabelecem entre si olhares duvidosos no momento de
examinar os produtos Holandeses? Porquê que a mulher de Rodrigues, budista,
coloca-lhe uma cruz entre as mãos no seu caixão? Será que nunca deixou de ser
cristão?
Nada do que está escrito pode dar uma pequena sensação do que
foi o filme. Foi tanto o que se viu e ouviu que torna-se difícil organizar as
ideias. Aconselho a assistirem-no, a entrar na sua perspetiva, a vivê-lo. Deixem-se
questionar.



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