quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Uma espécie dependente

Em adição à racionalidade, o homem tem inteligência, consciência, e outras características que o distinguem do animal. Através de sua inteligência e capacitação, este é dotado de atingir realidades sensíveis e corporais, imateriais e incorporais (como a verdade, o tempo, o espaço, o bem, a virtude).  O homem está presente  nestas duas dimensões, que o tornam num ser completo capaz de experimentar realidades que outros animais não conseguem.
 

Dada a sua inserção física do homem no mundo, a matéria-prima configura-se como um bem que lhe é essencial à vida, pelo menos no seu estado mais básico, como a água, alimento ou abrigo. Deste modo o homem necessita de cobertura mínima materialmente.

Assim, entre o homem (dimensão corporal e mental) e a matéria, denota-se uma relação complementar, em que o homem se serve da matéria como ferramenta de auxílio.
Com o passar do tempo o próprio homem vem deturpar essa mesma relação saudável antes existente, e vem instaurar mudança na sua respetiva natureza. Enquanto antes o homem manipulava a matéria em seu benefício, agora o homem deixa-se manipular pelo material e cria aí uma indómina dependência que o lança vigorosamente para os tempos da economia produtivista, da abundância e fornecimento controlado de recursos.
Até mesmo as necessidades mínimas são substituídas por inúmeros desejos que com o tempo se tornam falsas necessidades.

 O material passa a sobrepor-se ao restante, e cada vez mais o conceito de propriedade ganha importância  ao ponto de adquirir características quase que sublimes aos olhos de muitos.

Muda-se de uma economia baseada na subsistência, para uma economia produtivista no momento em que entra a oposição entre a matéria e o homem em toda a sua extensão, sem preâmbulo e de um modo irremediável. Esta "cultura do material" cresce a par do progresso tecnológico e industrial, e vem contribuir para a necessidade de uma produção em massa, permitindo deste modo ocupar as mãos de todos os que procuram consumir. Apenas deste modo se "dá conta do recado" devido ao excesso de procura e da vontade que o homem tem de satisfazer o seu desejo incontrolável do "ter".

 O homem cria e desenvolve através da matéria, e por isso acompanha em primeira mão a evolução material e a experiencia-a diretamente, cultivando apenas uma das suas dimensões. A sua metade corporal que se insere materialmente no mundo. Consequentemente, as características que o distinguem do animal vão-se desvanecendo por descuido e falta de cultivo. O homem deixa de ser completo quando apenas uma das suas dimensões está a ser desenvolvida, e hoje, atentos às bases, conclui-se que a dependência é brutal e chaga a refletir-se nas necessidades mais primordiais que o homem pode ter.
 A não dependência não é sinónimo de não-evolução, é saber coexistir com o material sem que este se sobreponha a tudo o resto (incluindo a nós mesmos). A não dependência não é negar a inovação,

é servir-se da capacidade  que o homem tem de dominar o material, em vez de nos conformarmos com a ideia de que este cada vez mais nos domina. A não-dependência não é negar a criação material, é não querer que o homem seja governado pelas suas criações. É reconhecer que os papéis se foram invertendo. Esta é uma realidade que está mais perto do que se pensa. A cultura do "ter" acima do "ser".

Trata-se de um tempo de consumismo, da ideologia da ostentação, de alienação, de despersonalização, e acima de tudo, de pura dependência.


10247

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.